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Citado em golpe de pirâmide financeira de R$ 200 milhões já foi condenado por crime sexual

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

11/06/2018 04h00

Um dos suspeitos de participação em um golpe financeiro de R$ 200 milhões já foi condenado por cometer um crime sexual cuja vítima era uma adolescente. Atualmente, ele continua a fazer vídeos em que promove investimentos em bitcoins, uma criptomoeda.

No último dia 28 de maio, o UOL divulgou um documento do MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) que lista possíveis líderes da D9 Clube de Empreendedores, empresa criada pelo "empreendedor digital" Danilo Santana para lesar dezenas de milhares de investidores no Brasil e no exterior. O documento faz referência a Léo Trajano, cujo nome completo é Leandro Siqueira Trajano, que se apresentava como "comunicador" e "diretor de marketing da D9", conforme relatos de investidores e vídeos disponíveis na internet. 

Na sexta-feira (8), Léo Trajano fez contato com a reportagem, por meio do aplicativo WhatsApp (que impede a gravação do diálogo telefônico). O UOL tentava entrevistá-lo desde o final de maio. 

Ele negou que tivesse cometido o crime sexual pelo qual foi condenado. "Fui condenado à revelia", afirmou. Ele disse também que trabalhou como comunicador para a D9, que não atuou na captação de investidores e que foi lesado por Danilo Santana. "Perdi mais de R$ 20 mil como investidor. Não tinha conhecimento de que se tratava de um golpe financeiro, tive minha credibilidade comprometida. Eu o estou processando por danos morais e de imagem", afirmou (leia mais abaixo).

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Condenação por crime sexual

A trajetória Léo Trajano em processos judiciais começou antes de seu envolvimento no golpe financeiro da D9.

Leo Trajano - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Léo Trajano foi condenado por crime sexual cometido contra uma adolescente
Imagem: Reprodução/Facebook
Documentos do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e das Justiças estaduais do Rio de Janeiro e do Ceará revelam que ele foi condenado a seis anos por um crime de natureza sexual, cuja vítima era uma adolescente. 

O caso aconteceu no estado do Rio de Janeiro no ano de 2003. Trajano tinha pouco mais do que 30 anos de idade.

Ao analisar um recurso à condenação em primeira instância, desembargadores da 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) afirmam que os atos de Léo Trajano "revelam o modo de agir e a perturbação emocional de um molestador sexual".

A investigação policial mostrou que a vítima sofreu abusos em um motel para onde foi conduzida, sob ameaça de morte.

"As palavras da vítima encontram ressonância no depoimento prestado em juízo por uma amiga, a qual confirma haver presenciado o momento em que a vítima embarcou no veículo do réu, induzida por este a indicar-lhe o estacionamento do shopping center local para onde o réu a atraíra sob o pretexto de discutir convite para participação em CD musical", lê-se em um documento da ação penal.

Policiais testemunharam ainda que, em uma ocasião anterior, Trajano chegou a atirar contra a vítima.

"Como se não bastasse, tem-se os depoimentos prestados por policiais civis encarregados da investigação, os quais apresentam versão idêntica aos demais testemunhos da acusação, todas dando conta de um episódio posterior, no qual o réu disparou um tiro contra a vítima em plena rua."

À época, a defesa do acusado afirmou que a denúncia se tratava de "maledicências de uma adolescente rejeitada", de acordo com o documento judicial. 

"Eu nunca cometi qualquer crime. O que houve foi uma invenção. Fui condenado à revelia, estava viajando na época", afirmou Trajano.

Trajano foi condenado a seis anos de prisão por cometer "atentado violento ao pudor". O processo está transitado em julgado, ou seja, não cabe mais recursos contra a sentença. Se tivesse sido cometido nos dias de hoje, o caso seria tipificado como crime de estupro, de acordo com a legislação em vigor desde 2009.

"O atentado violento ao pudor deixou de ser um artigo autônomo no Código Penal para passar a integrar o artigo de estupro [de número 213]", explica o advogado e professor de direito penal Leonardo Pantaleão. 

Leo Trajano II - Reprodução - Reprodução
Na prisão cearense, Léo Trajano tornou-se uma espécie de líder religioso
Imagem: Reprodução
Trajano começou a cumprir a pena no presídio de Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, no ano de 2017.

Na prisão, tornou-se uma espécie de líder religioso. No passado, ele chegou a atuar como pastor de uma igreja. O UOL teve acesso a uma fotografia em que ele parece comandar uma cerimônia de batismo de um dos presos, durante o banho de sol. 

"Pratiquei o evangelismo, não em nome de igreja, mas divulgando os ensinamentos cristãos", afirmou Trajano.

A defesa de Trajano conseguiu que ele passasse a cumprir a pena em regime semiaberto e, logo depois, em abril, em regime aberto, conforme decisão da Justiça cearense.

D9 é uma jornada rumo ao sucesso, dizia Trajano

Entre o crime sexual cometido no Rio de Janeiro, em 2004, e o começo do cumprimento da pena, no ano passado, Trajano teve seu nome envolvido em um esquema milionário: a pirâmide financeira da D9 Clube de Empreendedores. 

Grosso modo, numa pirâmide financeira, capta-se recursos de um grupo de pessoas com a promessa de um alto retorno, mas, como a forma de administração utilizada é insustentável, o negócio quebra e prejudica quem acreditou no investimento.

Criada por Danilo Santana em sua cidade natal, Itabuna (BA), a D9 se apresentava como uma escola de "trading esportivo", forma de investimento comum na Inglaterra e nos Estados Unidos em que se fazem apostas contra outras pessoas com base no que acontece durante um evento esportivo, a exemplo de uma partida de futebol. Os pagamentos eram feitos em bitcoins, uma moeda virtual.

Porém, nenhuma aposta era feita com o dinheiro arrecadado pelos investidores e os pagamentos obedeciam a um esquema criminoso conhecido como "ponzi" ou pirâmide financeira (veja abaixo o infográfico sobre o esquema).

Sob a vigilância de autoridades de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, Danilo Santana é alvo de um pedido de extradição feito pelo Ministério da Justiça para responder a três ações penais que tramitam no Brasil.

"Chegou o grande momento de começarmos nessa grande jornada rumo ao nosso sucesso. E eu vou te ajudar passo a passo. Sou Léo Trajano, seu coach financeiro", diz Trajano, em um dos vídeos que ele defendia investimentos na D9.

Em outro vídeo, disponível em seu perfil do Facebook, Trajano filma um caminhão-cegonha lotado de carros que seriam entregues a líderes da D9.

"Aqui não tem mimimi mais mais mais (sic). Aqui a gente entrega quitado no nome do ganhador e de tanque cheio aqui é bola na rede e dinheiro no bolso m chame in box que te explico como ganhar um desses!!", escreve Trajano na postagem.

Relatos de vítimas do golpe ao UOL dão conta de que Trajano foi o responsável por arregimentar investidores no estado do Ceará. Ele se apresentava como um dos "top líderes" e amigo íntimo de Danilo Santana. Mesmo após sua prisão. Santana se recusou a tirar do ar vídeos em que Trajano aparece promovendo a D9. "Eles eram muito próximos", conta um ex-prestador de serviço da D9.

A reportagem teve acesso a fotografias em que ambos aparecem juntos em palestras, eventos promovidas pela D9 e em festas particulares.

"Eu já havia entrado em um negócio anterior com Léo Trajano que era relacionado a bitcoin. Ele insistiu comigo para que investisse na D9, me apresentou a outros líderes como André Richard, que mostraram carros de luxo e os extratos de suas contas bancárias para me convencer que o negócio estava dando certo", afirma um dos investidores, sob garantia de sigilo.

Atuante no ramo da construção civil, o empresário convenceu a amigos e familiares a entrarem no negócio. O grupo perdeu R$ 600 mil.

"Conheço outras pessoas que pegaram empréstimos em bancos para investir na D9 e acabaram completamente falidas. Mas sei que Trajano ganhou muito dinheiro com esse golpe", afirma.

André Richard, acima mencionado pela vítima, era próximo a Léo Trajano e foi indiciado pela Polícia Civil da Paraíba por ser um dos líderes da fraude da D9 no estado. A reportagem ligou para dois números de telefones celulares dele, mas ninguém atendeu. Outro homem do círculo de relações de Trajano no esquema apresentava-se pela alcunha de Will Dinah. Ele não foi localizado pela reportagem.

MP vê Trajano como suspeito

Documento do Ministério Público gaúcho (MP-RS) mostra que Trajano é suspeito de atuar no grupo formado por lideranças regionais e nacionais no esquema criminoso comandado por Danilo Santana (veja fac-símile abaixo).

"Da mesma forma ainda se apura a participação de outras lideranças regionais, e até mesmo indivíduos com participação em escala diretiva nacional, como as pessoas de Nelson Rocha, Alex Gouvea, Cledson Basanella, Romero Araújo, Sergio Cursino, Léo Trajano, [todos] mencionados no âmbito deste expediente policial e ainda não indiciados pela autoridade policial, porquanto pendentes diligências investigatórias que não puderam ser cumpridas no exíguo prazo legal estabelecido para a tramitação de inquérito policial com réus presos", lê-se no documento.

Trajano nega crime e se diz vítima

Em entrevista ao UOL, Trajano afirmou que foi contratado por Danilo Santana para fazer vídeos promocionais da D9. "Eu trabalhei como comunicador, como diretor de marketing, mas fui contratado para prestar um serviço", disse à reportagem.

"Eu fui lesado como outros investidores. Tive prejuízo de R$ 20 mil. Perdi minha credibilidade, pois meu nome foi usado por Danilo Santana. Ele não é amigo de ninguém."

Trajano negou que tenha organizado reuniões para convencer investidores a participar da pirâmide financeira.

"Ninguém investe em um negócio desse sem saber que há algum risco. Porém, durante todo o momento em que eu produzi os vídeos, nunca desconfiei nem soube que se tratava de um golpe. Sou apresentador, um comunicador", disse. "Ninguém foi mais prejudicado do que eu nessa história toda."

O comunicador declarou ainda que ingressou com um processo na Justiça baiana em que pede indenização de danos morais e de imagem a Danilo Santana. Questionado sobre qual o valor reivindicado, ele negou-se a responder. "Isso eu não posso dizer porque está em segredo de justiça."

Trajano promove negócio com bitcoins

Segundo policiais que investigaram o esquema milionário da D9, uma das características de criminosos que se envolvem em esquemas de pirâmide financeira é a recorrência com que aplicam o mesmo tipo de golpe. O que muda é o "negócio chamariz" usado para atrair novas vítimas.

Suspeitos de participação no golpe da D9: da esquerda para direita, Leo Trajano, Danilo Santana e Will Dinah - Reprodução - Reprodução
Suspeitos de participação no golpe da D9: da esquerda para direita, Léo Trajano, Danilo Santana e Will Dinah
Imagem: Reprodução
Desde 2009, pelo menos, Trajano se apresenta em fóruns de internet como um especialista de marketing multinível, um discurso típico de um "piramideiro financeiro", afirmam policiais que atuaram nas investigações a respeito da D9, nos estados da Bahia, Rio Grande do Sul e Paraíba.

Na plataforma de vídeos Youtube, há pelo menos quatro vídeos em que Léo Trajano promove a empresa Best Coin, que tem sede na Islândia. Há promessa de altos lucros para quem investir na criptomoeda.

Chama a atenção o fato de que o discurso utilizado para promover a Best Coin é quase idêntico ao que ele fez em vídeos promocionais da D9.

"Essa é uma oportunidade para mudar sua história", afirma Trajano, em um dos vídeos. A reportagem apurou que ele promove reuniões com possíveis investidores na cidade de Fortaleza.

Um delegado e um agente policial que já investigaram a D9 analisaram os vídeos a pedido do UOL e afirmam que o negócio tem características semelhantes a um esquema de pirâmide financeira.

Questionado pela reportagem como pode garantir a lisura do negócio que está promovendo, Trajano afirmou que, se algo der errado, a pessoa que tem de ser responsabilizada é o dono, a exemplo de Danilo Santana no caso da D9.

"Eu sou um comunicador, um apresentador. Eu divulgo textos que as empresas me pedem. Se algo der errado, quem ter que ser responsabilizado judicialmente é o dono, não eu."

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