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Dobra o percentual de crianças de 10 a 12 anos que entram para o tráfico no Rio, diz estudo de ONGs

20.ago.2016 - Jovens traficantes posam com fuzis em favela do Rio de Janeiro  - Diego Herculano/AFP
20.ago.2016 - Jovens traficantes posam com fuzis em favela do Rio de Janeiro Imagem: Diego Herculano/AFP

Hanrrikson Andrade

Do UOL, no Rio

31/07/2018 12h21

O percentual de crianças com idade entre 10 e 12 anos que entraram para o tráfico de drogas dobrou no Rio de Janeiro em pouco mais de uma década --passando de 6,5%, em 2006, para 13%, em 2017. O dado é parte de um estudo divulgado nesta terça-feira (31) pelas organizações não governamentais Observatório das Favelas e Open Society Foundations.

Na pesquisa "Novas configurações das redes criminosas após a implantação das UPPs", foram entrevistadas 261 pessoas envolvidas com o tráfico de drogas, sendo 150 nas favelas cariocas e 111 que estavam internadas em uma unidade provisória do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) --órgão público que executa medidas judiciais aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei.

Os dados foram comparados com um levantamento realizado pelo Observatório de Favelas em 2006, quando foram ouvidas 230 pessoas. Não foi estimado um número total de pessoas envolvidas com o tráfico de entorpecentes no estado.

O Observatório das Favelas é uma ONG que promove atividades sociais, pedagógicas e acadêmicas em defesa das comunidades cariocas. A Open Society Foundations é uma organização criada pelo investidor e filantropo internacional George Soros.

O estudo também mostrou que a maioria dos recrutados pelo crime organizado (62,8%) eram jovens com idades entre 16 e 24 anos. Já 10,7% tinham 30 anos de idade ou mais.

"O que a pesquisa mostra é que o tráfico de drogas é uma alternativa principalmente econômica. A gente precisa levar em conta que muitos desses jovens saem do tráfico de drogas e não encontram alternativas. Gerar alternativas econômicas é fundamental", declarou o geógrafo, educador e ativista social Jailson de Souza, um dos fundadores do Observatório de Favelas.

As estatísticas também mostraram que o perfil do criminoso envolvido com narcotráfico é basicamente construído por homens (96,2%), negros (72%) e pessoas que não têm religião, mas declaram acreditar em Deus (40%). Sete a cada dez pesquisados nasceram na capital fluminense, e 16,9% eram das cidades da região metropolitana do estado.

O trabalho realizado na pesquisa anterior já apontava a predominância de negros entre os traficantes, mas houve um aumento dessa proporção --de 63% para 72% dos entrevistados. De acordo com a organização não governamental, os dados reafirmam a necessidade de ações públicas "capazes de incidir sobre as desigualdades raciais".

A escassez de políticas para combater as desigualdades raciais "continua sendo uma lacuna e uma tarefa fundamental", segundo afirmaram os pesquisadores no estudo.

"Precisamos criar políticas de segurança pública que rompam com a lógica de demonização das drogas. Precisamos discutir abertamente a legalização das drogas e discutir a anistia para as pessoas hoje empregadas no tráfico de drogas. Isso não vai resolver todos os problemas de violência, (...) mas vamos dar um salto significativo para diminuir esse número absurdo de mortes, as formas de enfrentamento, o uso de armas e as formas de violência que se apresentam no cotidiano da cidade", afirmou Jailson.

Os números indicam ainda que, de 2006 até o ano passado, a participação dos jovens traficantes que se declaravam evangélicos (31,1%) ultrapassou o grupo representado pelos católicos (11,1%). Apenas 1,5% dos entrevistados se diziam adeptos de religiões de matriz africana.

Em 2006, o recorte religioso da pesquisa apontava predominância dos católicos (39,13%), enquanto as doutrinas de denominações evangélicas representavam 17% dos entrevistados.

O objetivo da pesquisa, segundo os autores, é "oferecer subsídios para a construção de políticas e ações públicas que visem à superação da lógica da guerra às drogas".

Entre as metas estavam traçar um perfil dos adolescentes que fazem parte do tráfico de entorpecentes e elencar percepções sobre as mudanças no mercado das drogas e padrões de consumo. Também foi investigada a relação entre traficantes e os consumidores, além das alterações na estrutura e na dinâmica da ação dos grupos criminosos.

"Nesta perspectiva, uma maior compreensão sobre o perfil e as práticas destes grupos é fundamental para romper com estigmas, possibilitar a humanização destes jovens, reconhecer suas demandas objetivas e subjetivas e impulsionar a criação de alternativas", relata o estudo.