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"Se preciso, recorro até à ONU", diz advogada algemada em fórum após comissão inocentar juíza

A advogada Valéria Lúcia dos Santos - Bruno Marins/OAB
A advogada Valéria Lúcia dos Santos Imagem: Bruno Marins/OAB

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

25/09/2018 17h23

A advogada Valéria Lúcia dos Santos, que foi algemada no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, disse, após saber que uma comissão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro isentou de culpa a juíza leiga e os policiais envolvidos no caso, que, se necessário, recorrerá até mesmo à ONU (Organização das Nações Unidas) para provar que foi vítima de violência em pleno exercício da profissão.

“Trata-se apenas de uma decisão administrativa. É a Justiça falando da própria Justiça. Estou muito tranquila sobre o que aconteceu naquele dia. Vamos aguardar. Se for preciso, vou recorrer até aos órgãos internacionais, como a ONU [Organização as Nações Unidas]. Tive o direito da pessoa humana ferido naquela audiência", disse a advogada ao UOL.

O caso ocorreu no último dia 10. A discussão entre a juíza e a advogada foi registrada em vídeo. Nas imagens, Valéria aparece algemada no chão exigindo a presença do delegado da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Vamos aguardar. A OAB está à frente do caso e está tomando todas as providências. Minha imagem foi desgastada, me senti violentada. A intenção é jamais permitir que isso aconteça de novo.

Valéria Lúcia dos Santos, advogada

Porém, no entendimento da Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais, a advogada “se jogou no chão” e se debateu, e foi “momentaneamente” algemada para sua própria segurança, conforme noticiou a colunista Mônica Bergamo, da "Folha de S.Paulo".

Ethel Tavares de Vasconcelos, juíza leiga que solicitou que a PM retirasse Valéria da sala de audiência, após ela exigir leitura de sentença sobre o caso que defendia, não foi responsabilizada por qualquer prática de abuso.

O desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, do Tribunal de Justiça do Rio, afirmou na conclusão da investigação que não identificou prática de qualquer desvio funcional dos servidores envolvidos.

O magistrado ainda diz que a “versão da advogada Valéria Lucia dos Santos de que ‘levou uma rasteira, uma banda, suas mãos colocadas para trás e algemada’ está em colisão com todo o restante da prova que afirma que ela se jogou no chão e se debatia quando veio a ser momentaneamente algemada, até que o representante da OAB chegou e ela se acalmou, havendo pronta retirada das algemas”.

Almeida Neto também afirma que a “imagem forte” da advogada algemada no chão “correu o mundo virtual, mas à qual não se pode emprestar maior significado do que o que realmente revê. A própria versão da ‘rasteira’ não se amolda à imagem registrada em vídeo, e por isso deve ser descartada”.

Advogada é algemada durante audiência no Rio

TV Folha

Ordem de prisão violou lei, sustenta OAB

Já o presidente da Comissão de Defesa de Prorrogativas da OAB/RJ, Luciano Bandeira, afirmou que a entidade segue dando continuidade à apuração dos fatos.

“Isso é uma decisão interna do tribunal. Não é judicial. Para a OAB, nada justifica uma advogada algemada na sala de audiência. Estamos com um processo ético disciplinar em curso e a Ordem vai apurar as responsabilidades e os erros. A gente acredita que quem deu a ordem de prisão cometeu um equívoco e violação de leis.”

Bandeira disse ainda que, se forem constatados abusos por parte da juíza leiga, ela poderá sofrer punições como advertência, suspensão das atividades ou ainda exclusão do quadro da advocacia.

Na ocasião em que Valéria foi detida, a entidade chegou a repreender a juíza e afirmou que “nem na época da ditadura se prendia, algemava e jogava no chão um advogado dentro da sala de audiência".

A juíza e a advogada já foram ouvidas pela Comissão de Ética Disciplinar da OAB/RJ.

No último dia 17, a advogada recebeu apoio em ato de desagravo que ocorreu na frente do Fórum de Duque de Caxias. O ato contou com a presença do presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia.

A manifestação atraiu advogados e militantes defensores das causas raciais e dos direitos das mulheres. Embora o ato tenha sido pacífico, o fórum manteve as portas fechadas.

O processo que terminou na discussão entre a juíza leiga e Valéria tratava de uma cobrança indevida contra uma operadora de telefonia. A decisão foi anulada e uma nova audiência foi realizada por juiz togado no dia 18 de setembro. Na nova decisão, a cobrança indevida foi reconhecida, determinada a devolução de valores e o pagamento de R$ 1.400 por danos morais à cliente de Valéria.