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UOL TAB: "Estão começando a surgir Ku Klux Klan locais", diz antropóloga que pesquisa ódio

18.out.2018 - Suástica em escola de Minas Gerais - Reprodução
18.out.2018 - Suástica em escola de Minas Gerais Imagem: Reprodução

Adriana Terra

Colaboração para o UOL

27/10/2018 04h00

A antropóloga Adriana Dias pesquisa há 15 anos movimentos neonazistas brasileiros. Seu foco é a análise do discurso de ódio na internet. Para ela, o ódio tem como base a incompreensão das desigualdades, a noção de que elas não interferem na trajetória das pessoas. Usa seu caso como exemplo: nascida com uma deficiência nos ossos, afirma ter visto apenas outra acadêmica com a mesma doença fazer doutorado em sua área no Brasil. "Deve ter um motivo, né? Não é um problema mental, mas uma dificuldade até de acessibilidade física das universidades", pensa Adriana.

Em um cenário de difícil debate sobre o que é ou não discurso de ódio, ela é taxativa: "Discurso de ódio é aquele que desvaloriza o outro. Em cada lugar do mundo, você vai construindo um 'outro' conveniente no qual se deposita a responsabilidade pelo que não dá certo", diz. Doutora pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Adriana afirma que no momento o que mais a impressiona não é o cultivo do ódio, que já observa há muito tempo, mas o culto por esse sentimento. "Para uma parte da população parece ser venerável e justo odiar. Estamos caminhando para uma sociedade em guerra, e não para uma sociedade produtiva no sentido mais simples da palavra, de conseguir trabalhar, estudar", acredita.

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No monitoramento que faz, ela conta ter percebido amplo apoio de movimentos neonazistas ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), além da adesão de brasileiros a organizações racistas como Proud Boys e Ku Klux Klan — cujo ex-líder, David Duke, declarou recentemente que o candidato brasileiro “soa como eles”. As pesquisas de Adriana indicam que, hoje, cerca de 300 mil pessoas consumam material neonazista no Brasil. Leia abaixo a entrevista:

UOL TAB: No último domingo, Bolsonaro falou em banir "marginais vermelhos". Em entrevista publicada na última sexta-feira, a atriz Regina Duarte disse que declarações homofóbicas e racistas do presidenciável são "da boca pra fora", argumento muito usado por seus eleitores. O que é então discurso de ódio?
Adriana Dias:
Discurso de ódio é qualquer discurso que cria um "outro" e nessa imagem do outro há uma desvalorização dele, tornando-o inferior ou menos humano, e aí no limite essa pessoa se torna aniquilável. Como, por exemplo, o capacitismo quando a pessoa é deficiente, o machismo, o racismo, o ageísmo (preconceito contra idosos), o classicismo, o regionalismo que é uma forma de xenofobia. Todos esses discursos são de ódio, porque eles tratam "outros" como menos humanos. Eles podem ser discursos muito fortes como foi o de domingo na avenida Paulista, ou podem ser discursos que suspeitam desse "outro", que alimentam o senso comum para, no limite, tornar possível a aniquilação.

Eu diria que nós falamos as nossas maiores verdades como piada porque nos envergonha dizê-las seriamente. Nossa sociedade não pode mais permitir que isso seja piada. Nenhuma sociedade no mundo está admitindo isso como piada. Se não, daqui a pouco a gente vai estar dizendo que o discurso de Martin Luther King foi “mimimi”.

Estamos vivendo uma naturalização desse tipo de discurso?
Não estou preocupada apenas com o cultivo, mas com o culto ao ódio. Houve um cultivo de ódio no sentido de plantar ódio contra minorias, de construir minorias de forma odiosa. E cultivo do ódio no sentido de culto mesmo a esse ódio, porque em determinado momento parecia que era bom odiar, legal odiar, para uma parte da população parecia que era venerável e justo odiar. Já que o outro lado fez isso, isso e isso, esse lado deve ser odiado. Eu vi inclusive alguns sinais muito fortes desse ódio, como por exemplo em uma petição pedindo pena de morte para petistas. O tecido social brasileiro já sofreu uma capilarização desse ódio de modo que eu acho muito difícil isso ser revertido em pouco tempo. [O sociólogo francês Émile] Durkheim fala que há uma parte da sociedade que permanece com problemas que podem criar uma anomia, no sentido de não aceitar regras sociais. Essa parte existe e esse discurso de ódio permitiu que essas pessoas viessem a público.

Aliado a esse culto ao ódio a gente percebe uma substituição da satisfação das pessoas pelo desejo de matar, de agredir. Parte da população assumiu um discurso de aniquilamento do outro e isso é um perigo social. Não é um discurso apocalíptico, é de aniquilamento. Estamos caminhando para uma sociedade em guerra, e não para uma sociedade produtiva no sentido mais simples da palavra, de conseguir trabalhar, estudar.

Na eleição do Trump nos EUA, ele contou com apoio de movimentos neonazistas. Você vê isso acontecendo aqui?
Os movimentos neonazistas estão todos apoiando Bolsonaro. Inclusive estão começando a surgir grupos da Ku Klux Klan locais. Gente que está aderindo ao movimento deles, e ao movimento dos Proud Boys.

Como a ideia do medo do avanço dos direitos de minorias sociais está presente no voto do eleitor hoje?
O que acontece é que o homem branco, sem deficiência, heterossexual acha que tem um lugar de fala universal e que a nação é dele. Quando alguém consegue um direito, ele se vê ameaçado. Acha que o direito do outro ameaça o direito dele. Todas as vezes que o Bolsonaro falou de Hitler, ele sempre o elogiou como general, mas pensando que o papel do general é o de aniquilar, um papel genocida, e não o papel que deveria ser, de proteger.

Na sua opinião, as recentes confusões sobre o nazismo ter sido um regime de esquerda ou direita estão ligadas à educação ou são parte de uma campanha de desinformação?
Há uma má formação escolar, e aí pessoas cínicas aproveitam para disseminar desinformação. Por exemplo, existe o livro da Anita [Waingort Novinsky, historiadora] sobre a inquisição, e o [filósofo] Olavo de Carvalho diz que na inquisição quem morreu foram os católicos. Então ele está mentindo e sabe disso, está fazendo revisionismo contra os judeus [Adriana estudou antissemitismo em seu doutorado]. A maior prova de que o nazismo é de extrema direita é que Hitler faz mais menções de ódio ao marxismo e ao comunismo do que aos próprios judeus.

Por que nem todos veem esse quadro como uma ameaça real aos direitos de LGBTs, negros e mulheres?
Porque alguns não veem seus direitos sendo ameaçados. Desde que eu comecei a minha pesquisa, há 15 anos, tento fazer uma legislação contra crime de ódio [no Brasil, o discurso de ódio é penalizado por meio da lei contra o racismo e para casos de injúria e difamação].

A lei brasileira hoje tem instrumentos para lidar bem com discurso de ódio?
É muito difícil criminalizar o ódio, porque as pessoas estão acostumadas a lidar visceralmente com a política, e ela deveria ser racional. A gente ainda está muito longe de ter uma legislação suficiente para vencer o ódio. Há um medo de discurso de ódio virar xingamento pessoal, e o discurso de ódio deve ser criminalizado apenas quando envolve grupos. As pessoas têm que parar de achar que o discurso de ódio vai ser individualizado.