"Somos treinados para atirar na silhueta", diz PM candidata a vice de França; Corregedoria discorda
A coronel Eliane Nikoluk (PR), 48, que disputou a eleição como candidata a vice-governadora na chapa de Márcio França (PSB), repercutiu, em entrevista ao UOL, declarações polêmicas do governador eleito de São Paulo João Doria (PSDB) e disse ter esperança de que o general do Exército nomeado para gerir a Secretaria da Segurança faça um bom trabalho.
Doria foi criticado por opositores e por aqueles que fazem a defesa dos Direitos Humanos depois de afirmar, ainda durante a eleição, que o policial deve "atirar para matar".
Depois de eleito, o tucano manteve a posição. Durante o anuncio do seu futuro secretário da Segurança Pública, o general do Exército João Camilo Pires de Campos, 64, Doria reiterou o discurso. "Se o bandido reagir, será imobilizado. Se ainda assim reagir, vai deitado para o cemitério", afirmou.
Nikoluk entendeu as declarações como positivas, uma vez que elas estão ao lado da classe policial, mas defendeu que os policiais não sejam "contaminados" por um discurso "populista" e que se mantenham técnicos e legalistas, através de uma doutrina sólida e um posicionamento "extremamente profissional".
Na entrevista ao UOL, ela especificou que suas declarações seriam pessoais e que não representariam a corporação. "Acima de tudo, a polícia tem que ser extremamente técnica e operacional, com uma doutrina muito sólida, com escalonado do uso da força", afirmou.
No entanto, ela disse que, em momentos de confronto, o policial não tem tempo para mirar em uma área não vital e, assim, preservar a vida do criminoso e prendê-lo.
A população diz: 'Por que não atirou na mão do suspeito?' Porque numa situação de confronto, com nervos à flor da pele, nós somos treinados a atirar na silhueta do suspeito
Eliane Nikoluk, coronel da PM e vice na chapa de Márcio França em 2018
"Numa situação de conflito, a gente é treinado para fazer o uso da força de modo progressivo, mas o treinamento é para disparar contra a silhueta. A morte não é a finalidade, não é o pretendido, mas pode ocorrer", afirmou.
Ao dizer que policiais militares são "treinados para atirar na silhueta" durante um confronto, a coronel vai na contramão do procedimento padrão, de acordo com a Corregedoria da corporação, que analisa as condutas dos PMs em São Paulo.
O comandante da Corregedoria, coronel Marcelino Fernandes, informou à reportagem que o único método adotado pela corporação é o "Giraldi", seguido pela PM paulista desde 1998.
Ele orienta o policial a disparar dois tiros por vez, de forma gradual e se necessária, contra um suspeito, para que o policial fique seguro e, ao mesmo tempo, prenda o suspeito, em vez de matar.
Por email, o coronel Nilson Giraldi, que dá o sobrenome ao método, afirmou que "assim, o policial pode regressar, íntegro, ao seio da sua família, após uma jornada de trabalho, e não para o necrotério, para uma cadeira de rodas ou para a prisão".
Nikoluk, que comandou as regiões do Vale do Paraíba, da Serra da Mantiqueira e do litoral norte de São Paulo, tem 30 anos de experiência como policial militar.
Ela também teve passagem pelo Copom (Centro de Operações da PM), pela Casa Civil do governo estadual e pelo setor de inteligência da corporação. Agora, se apresenta como especialista em segurança pública.
A coronel foi integrada à Escola de Soldados da corporação, segundo decreto assinado por França e publicado no Diário Oficial do Estado nesta quarta-feira (14). No entanto, até se aposentar, em 9 de janeiro de 2019, ela estará em férias retroativas.
Em outra declaração polêmica após ser eleito, Doria gravou um vídeo, ao lado do deputado estadual Coronel Telhada (PP), afirmando que o governo pagará os "melhores advogados" aos policiais que mataram durante o seu governo.
Atualmente, os policiais são defendidos por associações ou por advogados privados.
Para a coronel Nikoluk, medida é correta. "Acho justo. O policial é o braço armado do estado. Na contenção da ordem, do agressor. Até porque a atuação do PM é peculiar. Enfrenta uma crise diária. Ele merece uma atenção e defesa em ação da função. O policial paga sua defesa do próprio bolso, nada realmente lhe dá amparo", disse.
"A forma que isso vai acontecer tem que ser bem estudada", complementou.
Ainda segundo a coronel, além de ser necessária uma melhora nas condições dos policiais para combater o crime, o governo deve agir de forma primária, tentando conquistar os jovens que podem vir a se tornar criminosos. "Se não enfrentar, vamos enxugar gelo", justificou.
"Quem morre, quem mata, quem comete crime está na faixa etária de 10 a 29 anos. A gente tem que ter políticas públicas capazes de tirar o jovem dessa influência. É extremamente necessário", afirmou.
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