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Decreto burla desarmamento e 'aposta na violência', diz Fórum de Segurança

1.jan.2018 - Bolsonaro faz sinal de arma com as mãos durante a posse - Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo
1.jan.2018 - Bolsonaro faz sinal de arma com as mãos durante a posse Imagem: Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

15/01/2019 17h39

Decreto facilita posse de arma a:

  • agentes públicos ligados à área de segurança; 
  • todos os residentes em área rural; 
  • residentes em áreas urbanas em estados com mais de dez homicídios por 100 mil habitantes (hoje, na prática, isso significa que são todos os cidadãos); 
  • donos ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais; 
  • colecionadores, atiradores e caçadores.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização não governamental que reúne pesquisadores do tema, divulgou nota pública nesta terça-feira (15) na qual critica o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) que facilita a posse de armas de fogo no país. Segundo o fórum, pesquisas indicam que um maior número de armas na sociedade leva a um aumento no número de crimes, e não à sua redução, como indicam defensores da liberação das armas.

"Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armais, mais crimes", diz a nota.

O fórum também criticou o critério utilizado pelo governo para estender a possibilidade de manter uma arma em casa. O decreto de Bolsonaro autoriza a posse a moradores da zona rural e de cidades localizadas em estados com taxa de homicídios de ao menos 10 mortes por 100 mil habitantes. Na prática, isso inclui todos os 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal. A menor taxa de homicídios, segundo o estudo adotado como referência pelo governo, é a de São Paulo, com 10,9 mortes por 100 mil habitantes.

Para o fórum, a adoção do critério mais amplo é uma forma de "burlar" o Estatuto do Desarmamento, que restringiu o acesso às armas. O grupo define a abrangência do decreto como um "não critério".

"Estranhamos ainda que o suposto critério adotado para a facilitação da posse, ou seja, nos estados onde a taxa de homicídios seja maior que 10 por 100 mil habitantes, simplesmente dá direito a todo cidadão brasileiro a ter uma arma de fogo. Ou seja, é um 'não critério'. Trata-se de uma forma de burlar o espírito de Estatuto do Desarmamento. Um decreto nunca poderia ser superior a uma lei. E a lei estipula que é necessário haver um critério", diz a nota da entidade.

O pesquisador em segurança pública e professor de administração pública da FGV, Rafael Alcadipani da Silveira, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que estudos científicos indicam que o crescimento do número de armas à disposição da população leva a um aumento no número de crimes, além de tornar mais fácil que essas armas sejam capturadas por criminosos. Por exemplo, se uma casa onde houver uma arma for roubada ou se seu dono for rendido num assalto.

O governo Bolsonaro tomou essa decisão com base em ideologia, não em ciência e técnica. Não existe nenhum estudo que mostra que na alta prevalência de homicídios numa população, eu deva armar essa população para combater homicídios.

 Rafael Alcadipani da Silveira, professor de administração pública da FGV

"Eu acho que esse é um dos maiores erros do Brasil em segurança pública, já que um dos maiores acertos foi a restrição às armas de fogo", diz o pesquisador.

Reportagem da "Folha de S.Paulo" mostra que o ritmo de crescimento de assassinatos no país desacelerou após a entrada em vigor do Estatuto do Desarmanento, em 2004.

"Profundo equívoco", diz Rede Justiça Criminal

A Rede Justiça Criminal, formada por oito organizações de direitos humanos como o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Instituto Sou da Paz, Conectas e Justiça Global, também criticou o decreto da posse de armas. 

"Em um país onde mais de 62 mil pessoas foram vítimas de homicídio em 2018, dos quais mais de 70% foram cometidos com arma de fogo, é um profundo equívoco pensar que a posse de armas trará segurança à população, como alega o presidente", diz nota pública divulgada pela entidade.

"Mais adequado seria investir na segurança pública e na valorização dos profissionais da área. O decreto compromete os avanços obtidos desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento e é lastimável que o governo federal demonstre tamanha falta de compromisso com a política de controle de armas", diz a nota.

Ministro nega "derrame de armas" com decreto

Na cerimônia de assinatura do decreto, na manhã desta terça, Bolsonaro afirmou que, em 2005, a população rejeitou a proibição do comércio de armas de fogo, o que autorizaria o governo a, hoje, flexibilizar as regras para a posse. Ao assinar o decreto Bolsonaro disse realizar o ato com "muita satisfação" para que o "cidadão de bem possa ter a sua paz dentro de casa".

A posse de armas é diferente do porte. A posse se refere a manter uma arma de fogo em casa e não autoriza o proprietário a circular armado fora de sua residência. As regras para o porte de arma não foram alteradas.

Em entrevista ao UOL, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, afirmou na última quinta-feira (10) que a flexibilização da posse de armas de fogo não causará um "derrame de armas" no país. Ele observou que quem decidir comprar o armamento terá que obedecer uma série de regras.

Algumas exigências para a posse ficaram inalteradas, como ter 25 anos ou mais, passar por uma prova atestando a capacidade de manusear uma arma, ser aprovado em avaliação psicológica e não ter antecedentes criminais.