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Mortes diminuem, mas conflitos no campo se acirram e envolvem mais pessoas

Enterro de liderança agrária no Seringal São Domingos (AM), em março; Nemis Machado de Oliveira foi morta por pistoleiros e chegou a ter parte do corpo queimado - CPT
Enterro de liderança agrária no Seringal São Domingos (AM), em março; Nemis Machado de Oliveira foi morta por pistoleiros e chegou a ter parte do corpo queimado Imagem: CPT

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

13/04/2019 04h00

O número de pessoas atingidas por conflitos no campo aumentou 35% e bateu recorde em 2018 chegando a 960 mil pessoas e a 4,6% do território nacional, segundo o relatório "Conflitos no Campo Brasil 2018", divulgado ontem pela CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Os dados revelam ainda que cresceram as áreas envolvidas em disputas e as expulsões de famílias de terras pelo setor privado. Entretanto, houve queda significativa no número de assassinatos.

Os conflitos no campo envolvem disputas por terra, por água ou trabalhistas. Em 2018, eles tiveram um aumento de 4% em relação ao ano anterior, saltando de 1.431 para 1.489. Ao todo, a área em disputa também bateu recorde com 39,4 milhões de hectares. O aumento de área nos últimos quatro anos chamou a atenção da CPT.

"A extensão de terras em conflito vem aumentando exponencialmente desde 2015", diz a comissão. Foram 8,1 milhões de hectares em 2014. No ano seguinte, registraram-se 21,3 milhões de hectares. Em 2016, foram 23,6 milhões; 37 milhões em 2017 e 39,4 milhões em 2018, o que significa 4,6% do território nacional em disputa."

O maior problema está na Amazônia, onde vivem 51% de todas as pessoas vítimas dos conflitos. A região, por sinal, vem apresentando alta nos números a cada ano.

"O aumento do número de pessoas envolvidas em conflitos não foi homogêneo no território nacional. Foi o aumento exponencial na região Norte o maior responsável pelo aumento geral do número de pessoas envolvidas em conflitos no país. Em 2018, houve crescimento de 119,7% em relação a 2017", diz o estudo.

Segundo Antonio Canuto, integrante da CPT e um dos responsáveis pelo levantamento, o número de conflitos apresentados não se refere à totalidade. "Esses são os casos que chegaram ao conhecimento da CPT. Há muitos outros por aí que não se tem conhecimento."

Com mais conflitos e mais pessoas envolvidas, houve o acirramento da tensão no campo. Em 2018, o poder privado foi responsável pela expulsão de 2.307 famílias --um aumento de 59% em relação a 2017. "Três regiões foram responsáveis pela maior parte das expulsões: Norte, com 36,3% das famílias expulsas; Sudeste, com 35,6%, e Centro-Oeste, com 24,9%", aponta o estudo.

Menos mortes

Entre os assassinatos, aparece um dado positivo: o número caiu de 71, em 2017, para 28 no ano passado. O ano de 2017 foi recorde em mortes, com cinco chacinas, entre elas a de Pau D'Arco, no Pará, quando policiais assassinaram dez sem-terra durante cumprimento de mandados judiciais.

Apesar da redução nos homicídios, 57% das vítimas foram lideranças de movimentos de luta social agrária.

"O ano passado foi eleitoral, e a gente imagina que nesse ano tentou se resguardar, não atacar diretamente muitas pessoas, para não influenciar diretamente no processo eleitoral. Tanto que no começo deste ano já se contabilizam dez assassinatos no campo, 36% de todos os que foram assinalados no ano passado", explica Canuto.

Sergio Sauer, doutor em sociologia e professor de desenvolvimento rural da UnB (Universidade de Brasília), concorda que a redução de assassinatos pode ter ligação com o período eleitoral, já que haveria uma ideia de não cometer crimes que chamassem a atenção da imprensa nacional. Mas vê com preocupação a alta no número de conflitos e mortes nos últimos quatro anos.

"A partir de 2015, com enfraquecimento do governo central, o Incra em particular ficou sem capacidade gerencial para apoiar as populações que lutam pela terra. Isso teve seu auge em 2016, com a extinção da Ouvidoria Agrária. Isso cria a sensação para o poder privado de que 'o Estado saiu de cena, a gente pode agir", afirma.

Para o professor, a disputa no campo ganhou um novo agente. "Mudou a cara do conflito. Temos assassinatos de milícias privadas, com atuação do capital privado e de fazendeiros, em conflitos envolvendo famílias. Um segundo elemento a se notar é uma ausência do Estado na implementação de políticas públicas. Há famílias demandando terra, mas a situação se mantém sem avanço", afirma.

Conflitos no campo em 2018:

Por terra - 1.124
Por água - 276
Trabalhistas - 86

Pessoas atingidas:

Por terra - 590.400
Por água - 368.465
Trabalhistas - 1.465