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Maior massacre desde Eldorado dos Carajás faz 2017 ter recorde de mortes no campo

26.mai.2017 - Familiares e amigos choram durante enterro de uma das vítimas do massacre que deixou 10 mortos na fazenda Santa Lúcia, em Pau d"Arco (PA) - Avener Prado/Folhapress
26.mai.2017 - Familiares e amigos choram durante enterro de uma das vítimas do massacre que deixou 10 mortos na fazenda Santa Lúcia, em Pau d'Arco (PA) Imagem: Avener Prado/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/05/2017 04h00Atualizada em 27/05/2017 08h14

Os cinco primeiros meses de 2017 já registram 37 mortos no campo. É o início de ano mais violento do século, segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra). As dez mortes durante a operação policial em Pau D'Arco, no sudeste paraense, na quarta-feira (24), se configuram a maior chacina registrada desde 1996, quando houve o famoso caso de Eldorado de Carajás, também no Pará. Naquela ocasião, 19 trabalhadores rurais foram mortos, e dois comandantes foram condenados. 

O número de mortos superou a violência registrada em 2016, quando 27 pessoas foram assassinadas. "A gente já viveu situações terríveis na ditadura, nos anos 80 também, mas essa época está terrível. Vivemos essa maior chacina desde Carajás, cometida há 21 anos, e cometida pela mesma polícia", afirma Rubens Siqueira, da coordenação nacional da CPT.

A chacina de Pau D'Arco foi a segunda do ano. A primeira ocorreu em Colniza (MT), quando nove trabalhadores rurais e posseiros foram mortos.

"A gente atribui essa violência brutal, maior que sempre foi, a essa situação do país --em que o Estado ou está ausente, ou está funcionando contra os direitos do cidadão. A ausência do Estado sempre existiu, e parece que existe uma licença para matar", afirma. 

Somente no Pará foram registradas 18 mortes em 2017. O Estado lidera o ranking de assassinatos no campo. "Infelizmente o Pará sempre teve essa violência, é uma constante. Mas esse início de ano está assustador", afirma o padre Paulo da Silva, da CPT no Pará.

Ele explica que o problema cresceu por conta da ação do governo Michel Temer de liquidar a Ouvidoria Agrária Nacional, “que ajudava a diminuir a tensão”. “Houve uma piora com isso, e tende a piorar", diz. 

A Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário informou ao UOL que o decreto 8.889, de 26 de outubro de 2016, realmente acabou com o órgão, mas outro decreto --de janeiro de 2017-- a recriou dentro do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). "A Ouvidoria Agrária Nacional continua sendo o canal de comunicação para a mediação dos conflitos agrários", explica.

O engenheiro Ricardo Smith é pesquisador do tema e lançou no início do ano o livro "Amazônia, a ira dos poderosos", que tratou dos conflitos agrários do sudeste do Pará. Segundo ele, os conflitos violentos por terra são históricos e foram alavancados nos anos 70, quando nordestinos migraram para a Amazônia em busca de terras.

"Foi dito, desde os anos 1970, que iam dar terra, título dessas terras, mas não deram. Aí vem gente que quer usar as terras porque tem muita madeira, quer entrar, aí vem o conflito de sempre. É um querendo entrar na terra do outro. Entram as entidades para defender e começa a ter líder, padre, sindicalistas assassinados. E quem mata? Aquele usurpador. E os governos vendo tudo isso, nunca fizeram nada", comenta. 

Para o pesquisador, a violência dos poderosos na região norte é histórica. "Toda Amazônia é assim: os poderosos passam por cima. Sempre foi assim", completa Smith.

A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará informou nesta sexta-feira (26) que afastou das atividades os 29 policiais envolvidos na operação que resultou em 10 mortes de trabalhadores rurais na fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D'Arco, na última quarta (24).

Os 21 policiais militares e os oito civis são investigados pela atuação em um suposto confronto com trabalhadores rurais durante o cumprimento de 14 mandados de prisão e dois de buscas e apreensão na fazenda. Nenhum policial foi ferido na ação.

A secretaria paraense informou que já abriu inquérito para apurar as mortes e enviou delegados de Belém para comandarem a investigação. O Ministério Público do Pará também está com quatro promotores na investigação do caso. 

Crescimento de violência

Em 2016, o país viveu um ano marcado por violência no campo, com 61 assassinatos. O número de conflitos por terra chegou a 1.295 (média de 3,8 conflitos por dia), 30% a mais que os 998 de 2015. Desde 1985, quando se começou a fazer o estudo, somente nos anos 2003 a 2005 o número de conflitos foi maior que o de 2016. 

No documento, a CPT diz a violência segue uma lógica, que começa pelas ocupações, passam pela criação de acampamentos, que geram as ocorrências de conflito. Contexto acelerado pelo ritmo lento da reforma agrária nos últimos anos no país

Números mortes no campo*

2008 - 11

2009 - 8

2010 - 10

2011 - 13

2012 - 15

2013 - 15

2014 - 11

2015 - 20

2016 - 29

2017 - 37

* janeiro a maio

Fonte: CPT