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Fala de Bolsonaro sobre trabalho infantil é tudo o que combatemos, diz MPT

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

06/07/2019 04h00

Em sua transmissão semanal no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) relembrou o seu tempo de trabalho infantil em fazendas do interior de São Paulo, afirmando que o "trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade".

Em entrevista ao UOL, a coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT (Ministério Público do Trabalho), Patrícia Sanfelici, afirma que esse tipo de opinião é frequente na sociedade brasileira e é justamente o que as autoridades tentam combater diariamente.

"A sociedade brasileira tem se mostrado bastante tolerante em relação ao trabalho infantil. Acredito que essa tolerância se deve a uma falta de conhecimento ou de uma reflexão mais aprofundada sobre todos os impactos negativos do trabalho infantil nas crianças. E não acredito que, tendo tudo isso em mente, alguém possa insistir que o trabalho infantil pode ser algo positivo", disse a procuradora do MPT-RS.

"O argumento de que trabalhar não faz mal ou de que ele é uma alternativa viável é o que a gente busca todos os dias combater e sensibilizar a sociedade para pensar diferente", afirma Sanfelici.

Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, o Brasil teve, entre 2007 e 2018, 261 mortes e 43.777 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos. A procuradora destaca ainda que, dentro dos mais de 43 mil casos de acidente de trabalho, cerca de 25 mil atingiram adolescentes com idade para trabalhar como jovem aprendiz dentro da legislação --a partir dos 14 anos-- e foram vítimas em atividades que lhes eram proibidas por conta da insalubridade ou da periculosidade.

"A alternativa adequada e justa para a criança será sempre a educação e o cuidado que ela merece. A gente não pode pensar de outro modo. A Constituição brasileira assegura proteção integral, absoluta e prioritária da infância. Se a gente entende que a infância deve ser protegida, a gente deve protegê-la como um todo", diz a procuradora.

Criança trabalha em água poluida do rio Capibaribe, em Recife - Diego Herculano/Folhapress - Diego Herculano/Folhapress
Criança trabalha em água poluida do rio Capibaribe, no Recife (PE)
Imagem: Diego Herculano/Folhapress

Na entrevista, Sanfelici lembra ainda que a proibição do trabalho infantil não é algo aleatório. "Temos que pensar nos riscos e prejuízos para crianças e adolescentes. Qualquer risco ergonômico de trabalho é muito mais intenso, exige muito mais do adolescente e da criança. A sua acuidade visual [capacidade de visualizar detalhes como forma e contorno] também está em desenvolvimento. O corpo da criança ainda está em formação, principalmente a coluna", diz a coordenadora.

"Observamos adoecimentos crônicos também, que vão acompanhar estas crianças pela vida toda. Ela será maculada cedo e de um modo permanente", destaca a representante do MPT. Sanfelici cita ainda que o trabalho infantil "causa problemas de natureza psicológica, por vezes até mesmo psiquiátrica, que não podem ser desconsiderados. São traumas que vão acompanhar essa pessoa ao longo da sua vida".

"Quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada"

Em sua live, quando descreve sua vida trabalhando em uma fazenda em Eldorado Paulista, no interior de São Paulo, Bolsonaro diz: "Trabalhando com nove, dez anos de idade na fazenda, eu não fui prejudicado em nada. Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar, tá cheio de gente aí 'trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil'. Agora, quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada".

Mas a coordenadora do Coordinfância diz que o trabalho na agricultura, como o de que Bolsonaro foi vítima, não é a única forma de exploração da mão de obra infantil. "Temos na lista das piores formas de trabalho infantil algumas que impactam diretamente a sociedade brasileira, que reluta a admitir o trabalho no tráfico de entorpecentes. E a gente sabe que o tráfico é uma realidade muito presente no Brasil. São crianças e adolescentes que são cooptadas para o tráfico de drogas e que exercem uma função que pode ser comparada ao aliciamento para uma guerra", diz. Ela ainda cita a exploração sexual de crianças e o trabalho nas ruas como exemplos.

Crianças pedem dinheiro e fazem acrobacias e malabarismo, em faixa de pedestres, para motoristas em veículos parados em farol (semáforo), em rua da cidade de Manaus (AM) - Marcio Melo/Folhapress - Marcio Melo/Folhapress
Crianças pedem dinheiro e fazem acrobacias e malabarismo em rua da cidade de Manaus (AM)
Imagem: Marcio Melo/Folhapress

"O trabalho doméstico é a pior forma de trabalho infantil, porque é muito nociva e muito invisível. Nós sabemos que ela é muito presente, mas é impossível de enxergar, porque ela acontece no âmbito da casa e de forma muito silenciosa. Mas as pessoas precisam compreender que, quando elas colocam uma criança para cuidar de uma casa ou de outras crianças, se está roubando o direito dela de ser criança. E nada justifica isso, não se categoriza crianças com mais ou menos direitos", afirma Sanfelici.

No Facebook, o presidente diz que não apresentaria projeto para "descriminalizar o trabalho infantil porque seria massacrado". Ontem, após a repercussão negativa de sua fala, Bolsonaro disse à imprensa que não defendeu o trabalho infantil com suas declarações, mas que o trabalho "enobrece todo mundo e se aprende a dar valor ao dinheiro desde cedo quando se trabalha".

"Trabalhei desde os oito anos de idade plantando milho, colhendo banana, com caixa de banana nas costas com dez anos de idade e estudava. E hoje sou quem sou", disse Bolsonaro, ao ser questionado pelos jornalistas sobre sua fala sobre o trabalho infantil.