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Número de mortos por policiais sobe 20%; Rio concentra 1/4 dos óbitos

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

10/09/2019 10h00Atualizada em 10/09/2019 11h16

Policiais civis e militares mataram 6.220 pessoas durante intervenções, em serviço ou na folga no decorrer do ano de 2018. Os dados se referem a possíveis confrontos e não incluem casos em que agentes praticaram homicídio. Trata-se de uma alta de 20% se comparada ao ano de 2017, quando 5.179 pessoas foram mortas. Os dados foram divulgados hoje pelo anuário do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

O número de mortos por policiais no país vem subindo desde 2013. Em contraponto, o número de policiais assassinados em confrontos ou execuções vem caindo. Entre 2017 e 2018, passou de 373 para 343, uma queda de 8%. Do total, 256 policiais (75%) foram assassinados durante a folga, sem estarem uniformizados.

Em números absolutos, a polícia do Rio de Janeiro, durante intervenção federal, matou 1.534 pessoas no ano passado, seguida de São Paulo (851) e Bahia (794). Quando comparado por 100 mil habitantes, a polícia fluminense segue como a mais letal, com taxa de 8,9, seguida das polícias do Pará (7,9) e de Sergipe (6,3).

Mas a polícia que mais mata não é a que mais morre. Os policiais do estado do Pará são os que mais morrem, com taxa de 2,9 para cada 100 mil habitantes. Lá, segundo investigações da Polícia Civil e do MP (Ministério Público), os policiais são assassinados porque as facções locais determinam que, para criminosos se tornarem integrantes do grupo, devem roubar a arma de um policial.

Normalmente, os criminosos atacam policiais que estão na folga e armados. Ao tentar reagir, por serem pegos de surpresa, são assassinados, aponta a investigação. O estado do Pará é seguido do Rio Grande do Norte, com 2,5, e do Rio de Janeiro, com 1,6.

Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, afirma que "o primeiro destaque diz respeito ao crescimento expressivo no último ano. A cada 100 mortes violentas intencionais no Brasil, 11 são de autoria das polícias. Em São Paulo, essa proporção salta para 20, no Rio, para 23".

"Me parece que, possivelmente até influenciadas pelos discursos que vieram com tanta força no período eleitoral, as polícias têm se sentido encorajadas a apertar o gatilho", diz. "Apertar o gatilho tem sido cada vez mais a opção incentivada pelas autoridades públicas", complementa. A especialista afirma que, ao que tudo indica, esse número deve crescer neste ano.

A socióloga Sílvia Ramos, coordenadora do Observatório da Segurança Pública da Universidade da Candido Mendes, afirma que "a intervenção federal e a presença do Exército no Rio em 2018 não alterou a cultura de uma polícia que abusa da força letal e que tem graves problemas de corrupção, com milícias se expandindo para diversas áreas da região metropolitana encontrando cumplicidade dentro de batalhões".

De acordo com a especialista, "o Rio teve 6.714 mortes violentas intencionais no Rio em 2018".

Matando 1.534, pode-se dizer que a polícia foi responsável por 22,8% dos homicídios no estado. Em algumas áreas, a polícia foi responsável por mais de 50% das mortes. O Rio de Janeiro é um exemplo para não ser copiado: muitas operações, muita letalidade e pouca inteligência. O resultado é que fações do tráfico e milicianos continuam dominando o estado
Sílvia Ramos, socióloga

Já o coronel Frederico Caldas, que já foi coordenador-geral das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) do Rio, afirmou acreditar que o aumento na letalidade pode ter ligação direta com a política de enfrentamento que ocorreu contra o crime organizado depois de 2017.

"A gente sabe que o Rio tem uma característica atípica com facções e milícias, que vêm crescendo. As pessoas chegaram a um ponto, que, apesar dessas reduções de homicídios, muito importantes, a gente ainda vive num país muito violento. A intervenção assumiu em um quadro de absoluto descontrole, por conta da crise, falta de investimento", diz.

"Na segurança pública, os resultados são colhidos com o tempo. Segurança não é um campo em que você aplica um processo e vê imediatamente os resultados. É indiscutível que houve um movimento de confrontar os criminosos. E eles também fazem essa leitura. Tanto que, quando a segurança estava em crise, eles perceberam que havia uma retração", complementou.

Para o Sergio Adorno, coordenador científico do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), "tudo indica que está crescendo o número de confrontos, que expõem tanto os possíveis agressores quanto os policiais envolvidos e os moradores que nada têm a ver com isso. É preciso ver quais são essas operações, onde elas estão ocorrendo e qual o sentido delas", afirmou.

Já o professor de gestão pública Rafael Alcadipani, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), avalia que o acréscimo na letalidade policial "tem a prevalência de uma ideologia no Brasil que eu chamo de necropolítica de segurança pública, onde se acredita que matando vai se resolver os problemas. E isso não vai resolver nenhum dos problemas".

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