Pai acusa loja Daiso de preconceito racial contra menina negra de 12 anos
A família da menina P., de 12 anos, acusa a loja Daiso Japan no shopping Grand Plaza, em Santo André (SP), de calúnia e constrangimento ilegal por abordagem realizada contra a menor no último sábado (14). Em entrevista ao UOL, o pai da jovem, Luiz Fernando Baltazar, contou que o boletim de ocorrência foi registrado hoje. O documento cita "preconceito racial, já que ela era a menina com a cor de pele mais escura entre elas, e foi a única a acusada injustamente" por furto.
Segundo Luiz Fernando, a família pediu que o crime de racismo estivesse no boletim de ocorrência, mas o delegado responsável pelo caso, Gilmar Camargo Bessa, orientou para que o crime não fosse incluído, alegando que a questão racial seria apurada durante a as investigações. O delegado foi procurado pelo UOL, mas não quis comentar o caso.
Em nota, após a publicação da reportagem, Secretaria de Segurança Pública afirmou que "foi instaurado inquérito de calúnia e constrangimento ilegal, e a autoridade policial apura se os atos foram provocados por preconceito de raça ou de cor".
O pai da menina contou ainda que a família procurou a Polícia Civil para registrar a ocorrência ontem, mas foram orientados a voltar hoje, quando o boletim foi feito.
Repercussão nas redes
O caso ganhou repercussão nas redes sociais ontem, quando a madrasta da menina, Karen, fez um relato no Facebook descrevendo o episódio.
P. estava no shopping com outras duas amigas brancas na noite de sábado quando visitaram a loja Daiso. Deixaram o local e seguiram o passeio, entrando em outra loja. Em um corredor distante da Daiso, foram abordadas por um segurança do Grand Plaza e um funcionário da Daiso. Entre as três, somente P. foi acusada de ter furtado esmaltes.
As três foram levadas para o interior da Daiso. "Sem a presença de qualquer dos pais ou responsáveis, as três meninas, assustadas, detidas, minha enteada chorando, foram apresentadas ao 'responsável' pela loja", diz o relato na internet. As meninas argumentaram que nem tinham passado pelo corredor de cosméticos e pediram para que o gerente consultasse as imagens das câmeras de segurança para comprovar o que elas falavam —o que foi recusado.
Ao UOL, Luiz Fernando confirmou que as meninas não levavam mochilas e mostraram o que levavam nos bolsos espontaneamente, para comprovar que não tinham furtado nada. Toda a abordagem foi feita no meio da loja, diante de outros clientes que estavam na Daiso. Elas não foram fisicamente revistadas. "O que minha filha tinha com ela era o celular, dinheiro e um batom", disse Luiz Fernando. Sem provas, o gerente liberou as três meninas.
Esta foi uma das primeiras vezes em que P. e as amigas foram passear no shopping. Um pai de uma das amigas as levou e buscou. Segundo Luiz Fernando, P. voltou muito abalada. "Normalmente, ela é uma menina muito tímida, não demonstra muito sentimento. Mas, quando ela chegou transtornada, fiquei preocupado e pedi para a gente sentar e conversar. E aí ela contou tudo. Só o fato de ela ter contato, já é algo sério. Quando ela está chateada com algo, costuma guardar para ela", contou o pai da jovem.
Luiz Fernando disse que a família optou por procurar a Daiso no domingo, dia seguinte ao caso. Foram acompanhados da menina e do avô, que é advogado. Foram recebidos e orientados a voltar na segunda-feira, quando os funcionários envolvidos na ocorrência estariam presentes. "A gente procurou a loja duas vezes antes de buscar a delegacia. A gente queria entender o que tinha acontecido e saber sobre a forma de atuação deles", disse ele.
Na segunda-feira, o gerente que intimidou P. falou que não respondia pela empresa. "Ele só confirmou que tinha acontecido mesmo e que tinha sido resolvido no sábado", relatou Luiz Fernando. "Rebatemos, dizendo que é um caso grave e eu mesmo sugeri que ele procurasse um superior dele para saber se esta era mesmo a posição que a empresa nos daria. Ele foi, demorou 20 minutos no celular e falou que a posição da empresa era a de que o caso tinha sido resolvido e não tinha mais o que tratar", contou o pai.
Segundo o pai, P. e uma das amigas que a acompanhava no passeio chegaram a pedir nesta semana para que a escola em que ambas estudam discuta o caso de racismo entre os colegas de classe. "Fiquei até emocionado quando soube pela professora do pedido da P.", afirmou o pai.
"Eu não sei se a loja faz isso com todo mundo, não sei em quais circunstâncias isso acontece lá, mas a gente sabe que tem pessoas que acabam engolindo o que aconteceu e fica por isso mesmo. A gente se revoltou e não aceita que isso fique por isso mesmo. A gente não tem dinheiro, mas temos meios de fazer com que a Justiça aconteça. A gente tenta, ao menos", diz Luiz Fernando.
Além do registro do boletim de ocorrência, a família da jovem planeja pedir judicialmente as imagens das câmeras de segurança tanto da loja quando do shopping. "E se as imagens da loja não estiverem disponíveis por qualquer razão, as do shopping estarão", aposta Luiz Fernando.
Em nota publicada no Facebook, a Daiso chama as acusações de "criminosas", "completamente infundadas e contrárias a todos os princípios e conceitos básicos da empresa". "No que se referem aos questionamentos quanto a mencionada abordagem ocorrida em 14/09/2019, apesar de o assunto já ter sido esclarecido e tratado com o responsável pela menor no dia seguinte, a Daiso submeterá o caso a nova análise e, havendo qualquer excesso de seu(s) colaborador(es) ou, ainda, qualquer infração ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), a loja tomará as medidas cabíveis", diz a nota.
A Daiso Japan Brasil foi procurada pelo UOL e negou as acusações. A empresa afirma que a abordagem foi interrompida pelo funcionário assim que notaram que as três estavam desacompanhadas. A empresa confirma ainda que em nenhum momento os pais das meninas foram procurados durante o incidente, mas prefere não comentar a abordagem feita no corredor distante da loja.
Sobre a nota publicada no Facebook, a empresa diz que as "acusações criminosas contra a loja e seus funcionários" referem-se às postagens de pessoas que estão acusando a Daiso em comentários, e não contra a família ou a menor. Em contato telefônico, empresa diz ainda que alertou a família da jovem sobre o relato postado no Facebook para o risco de "denegrir a imagem da Daiso Japan Brasil com as acusações de racismo".
Esta não é a primeira vez que a Daiso Japan se envolve em um caso de preconceito. Em dezembro de 2017, a loja se posicionou contra a cartilha distribuída pela rede de supermercados parceira, Hirota Food, que condenava o casamento homoafetivo. A Daiso tem diversas lojas dentro e anexo ao supermercado.
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