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Delegado do Caso Marielle admite erros na busca por imagens dos assassinos

Delegado Giniton Lages ficou quase um ano à frente da investigação - ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Delegado Giniton Lages ficou quase um ano à frente da investigação Imagem: ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Flávio Costa e Marina Lang

Do UOL, no Rio, e colaboração para o UOL, no Rio

06/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Giniton Lages chefiou apuração do ataque a Marielle Franco e Anderson Gomes
  • Delegado reconheceu que Polícia falhou na busca por imagens de câmeras
  • Policiais não rastrearam câmeras em trechos do trajeto dos assassinos
  • Imagens foram salvas em formatos incompatíveis com o sistema da Polícia

O delegado Giniton Lages, primeiro a chefiar as investigações sobre o duplo homicídio da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, admitiu à Justiça do Rio que houve falhas na busca pelas imagens do trajeto percorrido pelos assassinos no dia do atentado -- 14 de março de 2018.

No último dia 2 de agosto, quando prestou depoimento na sede do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) durante audiência de instrução do Caso Marielle, Lages disse que o método adotado por ele para obter as imagens do carro usado no atentado e dos suspeitos revelou-se inadequado.

Lages atuava na DH da Capital (Delegacia de Homicídios do Rio, órgão da Polícia Civil). Ele dividiu em "setores" o percurso feito pelos assassinos no Cobalt prata clonado. Da localidade conhecida como Quebra-Mar, situada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, onde os policiais identificaram a primeira imagem do veículo, até a rua dos Inválidos, na Lapa (centro), onde Marielle participou de um evento antes de ser assassinada, são 23 quilômetros de distância. Deste ponto até o local do Estácio onde aconteceu o atentado, foram percorridos outros três quilômetros.

Com a divisão dos trajetos citados acima em "pequenos setores", cada equipe de agentes da DH da Capital ficou responsável por verificar as câmeras públicas e privadas instaladas em um determinado trecho previamente escolhido.

Trechos perdidos e "formato errado"

A partir daí, começaram os problemas. Deixaram de ser verificados, por exemplo, certos trechos do trajeto que os assassinos percorreram no dia do atentado. Uma equipe deduzia que a outra já havia verificado determinado local, e ninguém o fazia.

Ainda de acordo com o depoimento prestado pelo delegado à Justiça, a região em que os policiais enfrentaram mais dificuldades para encontrar imagens do carro dos assassinos foi a da Barra da Tijuca.

Outro erro comum foi que os agentes pegavam as imagens de casas comerciais instaladas no trajeto e salvavam em pendrives. Porém, ao chegar no setor da DH responsável por analisar as imagens, o arquivo não podia ser acessado, pois fora salvo em "formato errado". Os agentes voltavam aos locais, mas nem sempre conseguiram recuperar as imagens.

"Os agentes chegavam aqui e achavam que encontrariam a imagem perfeita do carro usado pelos assassinos. Só faltavam esperar que o atirador desse um tchauzinho para a câmera. Mas não é assim. A capacidade de resolução da câmera do prédio é limitada e ele está posicionada para pegar imagens da calçada", afirmou ao UOL o chefe de segurança de um prédio localizado na rua Joaquim Palhares, onde aconteceu o atentado.

Ele explicou que a câmera de seu prédio conseguiu flagrar um carro prata na noite do crime, mas a nitidez da imagem não era boa.

Outro problema nesta busca pelas imagens foi relatado pelo jornal "O Globo". De acordo com reportagem publicada em 17 de março, os equipamentos da prefeitura que fazem o monitoramento do trânsito não geraram imagens recuperadas de qualidade, nem estão posicionados em lugares adequados para ajudar na segurança pública.

O jornal revelou ainda que, quando ocorreu o crime, apenas seis das 11 câmeras municipais instaladas ao longo do percurso em que o carro de Marielle e Anderson foi seguido pelos bandidos, entre o Centro e o Estácio, estavam funcionando.

Marielle - Renan Olaz/CMRJ - Renan Olaz/CMRJ
Delegado Giniton Lages admitiu à Justiça as falhas da Polícia Civil na busca por imagens do trajeto dos assassinos da vereadora Marielle Franco
Imagem: Renan Olaz/CMRJ

Erros servem de aprendizado, diz delegado

Procurado pelo UOL, o delegado Giniton Lages não quis comentar seu depoimento à Justiça, mas afirmou que os erros na investigação servem de aprendizado para melhorias dos procedimentos policiais.

"Os erros e acertos observados na investigação estão contextualizados e, em toda investigação, representam oportunidades de afirmação ou revisão de protocolos estabelecidos pela Polícia Civil para investigações complexas", afirmou.

"Para além do que consta no meu depoimento, prestado em juízo, não posso me manifestar sobre qualquer aspecto da investigação enquanto durar a instrução judicial", acrescentou.

Lages ficou quase um ano à frente da investigação até prender o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, acusados de serem, respectivamente, o atirador e o motorista do carro usado no atentado. Na entrevista coletiva a respeito das prisões, o governador do Rio, Wilson Witzel, anunciou que Lages estava deixando o caso e iria participar de um curso de capacitação na Itália. Ele foi substituído pelo colega Daniel Rosa.

O delegado frequenta, atualmente, o curso de capacitação da Academia Nacional de Policia, em Brasília, a convite da Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça.

A Polícia Civil do Rio afirmou que não comenta fatos relacionados ao Caso Marielle, cuja investigação "está sob sigilo".

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