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Prefeitura de Santos culpa homem cego por queda e depois pede desculpas

Pastor Ceguinho, em Santos - Maurici de Oliveira / Colaboração para o UOL
Pastor Ceguinho, em Santos Imagem: Maurici de Oliveira / Colaboração para o UOL

Maurici de Oliveira

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

21/10/2019 20h13Atualizada em 22/10/2019 15h09

O município de Santos (SP) se viu obrigado a pedir desculpas a um morador, em um processo por danos morais. José Roberto Rosa da Silva, 60 anos, foi vítima de um acidente ao sair de casa, quando sofreu uma queda que lhe rendeu uma torção na espinha dorsal. Recuperado, ajuizou uma ação contra o poder público, que de pronto não reconheceu o mérito.

Em despachos da Companhia de Habitação da Baixada Santista (COHAB Santista) e da Procuradoria do Município, o entendimento levado ao Judiciário foi de que era de inteira responsabilidade de José Roberto desviar dos obstáculos. O detalhe ignorado no processo, até então, é que o homem é cego.

"Quando eu caí quase afundei totalmente. A subprefeitura estava sabendo que era um lugar perigoso. Eles tiraram os moradores, e todo mundo sabia que tinha um cego morando lá no fundo. Não olharam para mim. Machuquei a coluna, fiz raios X e deu um problema de torção", conta o deficiente visual, em entrevista ao UOL. Evangélico, ele é conhecido como Pastor Ceguinho.

Assistido pelo advogado Bruno Gutierrez, o processo tem todos os dados detalhados, incluindo a situação especial do autor da ação, e envolve ainda a questão habitacional. "O município tem muitas ações, e certamente o que houve foi um control C, control V [copiar e colar a mesma resposta de outra ação], mas já houve o pedido de desculpas", contemporizou o advogado Gutierrez.

A queda de José Roberto ocorreu após a prefeitura remover casas vizinhas à sua para dar lugar a uma obra de drenagem em um canal fluvial. As remoções fazem parte das obras de reformulação da entrada da cidade, no bairro da Alemoa. Em uma área de palafitas, os imóveis removidos davam guarida aos pedestres na travessia de uma ponte de madeira. Sem as laterais de apoio, ao passar pelo local, José Roberto caiu no mangue e sofreu ferimentos.

"Eu fui na Cohab, mas disseram que não podiam fazer nada por mim. Eles sabiam que eu era cego, mas a prefeitura não reconheceu, pensou que era brincadeira, não levou a coisa a sério".

A deficiência do Pastor Ceguinho já tem dez anos, decorrente de um diabetes, que lhe ocasionou um derrame ocular.

Advogada fica estarrecida

A advogada Gabriela Ortega, da Rede Nacional de Advogados Populares - Renap, que acompanha o caso, disse ter ficado estarrecida com a condução do processo. "A Cohab contestou, e eu acho que foi um pouco dura com ele, mas a prefeitura, ao contestar, foi um tanto desleal. Deveria ter dado mais atenção, mais cuidado, ele é idoso. Fiquei estarrecida com esta posição da Prefeitura de Santos".

A resposta do município foi juntada por meio de petição ao processo, em que o procurador Gilmar Vieira da Costa se desculpa. "Em atenção aos princípios de boa-fé e lealdade processual, o Município de Santos vem expor que, por um equívoco, fez constar em sua defesa a tese de culpa exclusiva da vítima, que é objeto de debate em outro feito... Diante disso, este signatário estampa seu sincero pedido de desculpas ao autor da ação e afirma não haver interesse no Município em formular objeção com relação a este fato, que não harmoniza com os demais argumentos lançados à apreciação do Poder Judiciário".