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80 tiros: soldado diz que atirou em catador para revidar ataques

O catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, morto em ação militar - Arquivo pessoal
O catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, morto em ação militar Imagem: Arquivo pessoal

Igor Mello

Do UOL, no Rio

17/12/2019 11h52

Resumo da notícia

  • Soldado do Exército diz ter atirado em catador para revidar suposto ataque
  • Doze militares envolvidos na ação que deixou dois mortos são ouvidos na Justiça Militar
  • Eles alegam que houve troca de tiros quando as vítimas foram baleadas
  • Não há prova técnica de que outras pessoas além dos militares efetuaram disparos
  • Também não foi encontrada nenhuma arma com o catador ou na cena do crime

O soldado Matheus Sant'Anna Claudino, um dos militares acusados pela morte do músico Evaldo Rosa dos Santos, admitiu ter atirado no catador de material reciclável Luciano Macedo, também morto na ocorrência. Segundo ele, a vítima estava armada e havia atirado na direção da viatura do Exército onde se encontrava. O crime ocorreu em 7 de abril, em Guadalupe, na zona norte do Rio.

Os militares dispararam ao menos 257 vezes durante a ocorrência. Segundo a denúncia feita pelo MPM (Ministério Público Militar), 83 tiros atingiram o Ford Ka dirigido por Evaldo. No momento em que foi atingido, ele levava a mulher, o filho de 7 anos, o sogro e uma amiga a um chá de bebê. Ao tentar prestar socorro à família, o catador de material reciclável Luciano Macedo também foi morto. As viúvas dos dois afirmam que os membros do Exército negaram socorro e debocharam das vítimas.

Sant'Anna afirmou que Macedo já havia sido visto por ele durante um roubo de carro ocorrido minutos antes no viaduto de Deodoro, que fica perto do local do crime. O Ford Ka de Evaldo teria participado da ação, segundo ele. O militar sustenta que o catador teria participado do assalto.

Ele alegou que o seu grupo de combate seguiu o percurso designado em sua missão —que era entregar quentinhas e o efetivo que faria a guarda dos Próprios Nacionais, conjunto habitacional do Exército em Guadalupe. Minutos depois, teria novamente se deparado com o Ford Ka de Evaldo. Ele diz ter visto Macedo na porta do motorista do veículo. Em sua versão, o catador atirou quando viu a viatura do Exército.

"Vi quando o Luciano estava naquela rua ao lado já apontando uma arma para assaltar outro carro. Aí já sabia onde ia efetuar os meus disparos", disse. "Quando olhei para a frente novamente eu vi quando o Luciano estava saindo da porta do motorista [do Ford Ka]. Quando saiu da porta do motorista já virou novamente atirando na nossa guarnição."

Ontem, seis dos 12 militares réus no processo prestaram depoimento —nove deles são acusados pelos dois homicídios. Eles seguiram a linha de argumentação que seu advogado, Paulo Henrique Pinto de Melo, vinha adotando e afirmaram que houve troca de tiros no momento em que as vítimas foram baleadas.

Durante as investigações, não foi encontrada nenhuma prova técnica de que outras pessoas além dos militares efetuaram disparos de arma de fogo. Também não foi encontrada nenhuma arma com Macedo ou na cena do crime.

Comandante da guarnição que efetuou os disparos, o tenente Ítalo Nunes disse que o catador Luciano Macedo estava armado e fez disparos contra os militares. Ele sustentou que a vítima era um dos assaltantes que roubaram um carro perto do viaduto de Deodoro, minutos antes. Os militares afirmam que, ao flagrarem esse roubo, trocaram tiros com os criminosos, que conseguiram fugir.

"O vi ao lado do Ford Ka [dirigido por Evaldo] atirando em nossa direção", disse Nunes, em referência a Luciano.

Em maio, o sogro de Evaldo, Sérgio Gonçalves de Araújo, que estava no banco de carona do carro metralhado pelos militares, fez um relato que desmente a versão apresentada pelos militares. Segundo ele, Macedo estava próximo ao local onde o carro da família parou após o músico ser baleado pela primeira vez e foi prestar socorro a ele. Nesse momento, os 12 acusados voltaram a atirar na direção do carro.

"Minha filha desesperada fora do carro começou a gritar. Nisso veio um rapaz que eu nem conheço [Macedo], morador dali mesmo. Só vi quando ele passou na frente do carro e veio na porta para ajudar", disse.

"Na segunda sessão de tiros, eu estava tentando destravar a porta. Aí que começou", relembrou Araújo, que se escondeu entre o banco e o painel do carro na hora dos tiros, mas acabou sendo baleado nas costas e no glúteo.