Grávida obrigada a deixar Noronha foi levada em avião sem autorização
A retirada da empresária Alyne Dias de Luna, 30, do arquipélago de Fernando de Noronha (PE) para Recife, atendendo ordem judicial, ocorreu em um avião irregular, que não tem autorização da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para atuar como táxi aéreo. A aeronave Beech Aircraft 58, de prefixo PR-VIB, usada no transporte da gestante é de uso privado e não pode fazer transporte público de táxi aéreo, como ocorreu no último dia 10.
Luna estava com 34 semanas de gestação quando foi obrigada a viajar no avião, em cumprimento a ordem judicial que determinava que ela fosse retirada do arquipélago, por ela ter passado das 28 semanas de gestação. Ela se recusava a sair da ilha com medo da pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19. Em Fernando de Noronha não existe maternidade e o hospital São Lucas, única unidade de saúde do local, só atende casos básicos, sem UTI (Unidade de Terapia Intensiva). O arquipélago também não possui o serviço particular como alternativa aos moradores.
Luna contou ao UOL que achou estranho ao entrar no avião e não ter equipamentos médicos, nem ter ido com equipe de saúde para acompanhá-la. Além disso, durante a viagem, ela relatou que se sentiu desconfortável, pois não havia local para a bagagem e ela precisou viajar com uma bolsa entre as pernas. Vídeo feito por ela durante trecho da viagem mostra bagagem em cima de cadeiras, sem estar amarrada a cordas ou rede. A bagagem deveria ter sido transportada no bagageiro do avião e não em cadeiras destinadas a passageiros.
"Quando o avião levantou voo eu me senti mal com o calor e a pressão, o cinto coube no limite do meu corpo e não havia espaço para me mexer. Se acontecesse algo, os pilotos e a bombeira que pegou carona no voo não poderiam fazer nada pela falta de espaço. Se eu tivesse entrado em trabalho de parto, por exemplo, devido ao estresse que passei e a situação dentro do avião, não sei o que seria de mim e da minha filha. Graças a Deus estamos bem", relatou Luna. Ela e a família pretendem ingressar com ação judicial após o nascimento de Helena.
Enquanto aguarda a chegada da filha, Luna foi acomodada em um hotel que tem contrato com a administração da ilha para receber pessoas em tratamento médico. Após o parto, o destino de mãe e filha é incerto, pois Noronha está fechada para receber moradores e turistas devido à pandemia do novo coronavírus. Apenas pessoas que trabalham na ilha podem entrar ou sair. Luna e a filha terão que esperar a abertura de Noronha para voltarem para casa.
Esta semana, 13 pessoas que trabalham na segurança da ilha foram testadas positivo pelo novo coronavírus. Moradores protestaram contra o entra e sai dos trabalhadores uma vez que a ilha estava sem casos de covid-19. Em Pernambuco, 2.057 pessoas morreram com covid-19, sendo 132 óbitos registrados de ontem para hoje, de acordo com boletim epidemiológico da SES-PE. O estado contabiliza 25.760 pessoas infectadas pelo novo coronavírus, sendo 11.845 graves e 13.915 leves. Os dados epidemiológicos foram divulgados no hoje pelo governo do estado.
Avião irregular
O UOL consultou os dados do avião que transportou Luna de Noronha para Recife e viu no RAB (Registro Aeronáutico Brasileiro) da Anac que a aeronave está registrada para "serviço aéreo privado" e o proprietário é a Juaço Empreendimentos Imobiliários desde 1º de agosto de 2014. O documento é claro em informar no "status da operação" que o avião tem operação negada para táxi aéreo. Apesar da irregularidade, a gestante foi transportada para Recife na aeronave. A viagem durou 1h50.
O governo de Pernambuco afirmou que o voo que levou a gestante para Recife foi feito pela empresa Easy Táxi Aéreo, que tem contrato fixo com a SES-PE (Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco). Entretanto, o avião usado não pertence à Easy, segundo a Anac, e está registrado como pertencente à Juaço Empreendimentos Imobiliários, empresa do ramo imobiliário localizada em Juazeiro do Norte (CE). O governo também disse que desconhece qualquer contrato com a Juaço Empreendimentos Imobiliários.
Em nota, a SES-PE informou que "mantém contrato com uma empresa de táxi aéreo para realizar, com segurança, e seguindo todos os fluxos assistenciais, a remoção de pacientes do arquipélago de Fernando de Noronha para o Recife." A SES-PE não soube explicar por que uma aeronave privada foi usada no transporte de Alyne Dias e nem por que a viagem ocorreu sem assistência médica.
"Importante ressaltar que o contrato em questão prevê que as aeronaves utilizadas sejam homologadas para os devidos fins, assim notificará a empresa que deverá prestar os devidos esclarecimentos sobre o ocorrido", disse a SES-PE.
O empresário Jonatas Macedo, proprietário da Juaço Empreendimentos Imobiliários, a qual a aeronave está registrada, disse ao UOL que desconhece que o avião está sendo usado para táxi aéreo e que o vendeu à Easy Táxi Aéreo, no ano passado. Ele informou que está acionando o departamento jurídico da empresa para bloquear a aeronave e obrigar a Easy a transferir a propriedade.
O empresário afirmou que não comunicou a venda da aeronave à Anac porque "é de responsabilidade do comprador". Entretanto, a norma da Anac diz que o proprietário deve comunicar a venda em até 30 dias e o comprador, por sua vez, também deve pedir a transferência da propriedade no mesmo período.
"Temos o contrato da venda à Easy e o pagamento foi dividido em seis vezes, restando um pouco a pagar. Há um mês fomos surpreendidos com o bloqueio da aeronave que estava fazendo táxi aéreo. Falei com o comprador [Antônio] Disrraelli [Azevedo Ponte] e ele prometeu fazer a transferência imediatamente, mas me surpreendi agora. Pedi que ele não usasse o avião para frete até resolver a transferência", justificou o empresário, dizendo que estava se posicionado porque não tinha como impedir a publicação do texto.
A Easy Táxi Aéreo é uma empresa de táxi aéreo localizada em Fortaleza e atua no mercado desde 2006. A empresa usa o nome fantasia de Easy Air e no seu site informa que tem quatro aeronaves regulamentadas para fretamento aéreo, inclusive com equipamentos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Aérea.
A reportagem consultou na Anac que a Easy Táxi Aéreo possui os aviões EMB-810C, de prefixo PT-REY e EMB-810C, de prefixo PT-RBW e tem liberação para operar a aeronave EMB-810C, de prefixo PT-EZY, mas os três estão em situação irregular para voar. A única aeronave liberada pela Anac para a empresa operar é um beech Aircraft, de prefixo PT-OFF.
A empresa já foi investigada pela Anac, em 2015, depois de denúncias de sublocação de aeronaves privadas em táxi aéreo para prestação de serviço ao governo do Ceará. A reportagem questionou a Anac sobre o andamento das investigações, mas a agência não respondeu.
Piloto há 30 anos, o consultor aeronáutico Fred Mesquita, explica que um avião particular é de uso exclusivo do proprietário e as regras da Anac impedem de terceirização ou sublocação. "Não pode terceirizar e também não pode ser táxi aéreo. O uso é restrito ao proprietário, familiares e se for empresa, aos funcionários, desde que o proprietário esteja no voo", explica.
Mesquita afirma que o representante da administração do arquipélago de Fernando de Noronha deveria checar a documentação do avião antes do voo. "A responsabilidade não é de quem vai embarcar, é de quem embarcou. O contratante tem de checar toda vez se a aeronave está regular para voo. O governo não pode se eximir com a responsabilidade. O avião é particular e só pode ser usado pela empresa que está registrado, a bordo com o proprietário. Não pode sublocar para terceiros, pois é irregular", explicou o consultor aeronáutico.
A Anac informou que tomou conhecimento do caso e abriu processo administrativo para apurar as possíveis irregularidades. "Na ocasião, houve a utilização da aeronave de matrícula PT-VIB, que é privada e não pode ser utilizada para prestar o serviço de táxi-aéreo", disse o órgão, em nota enviada ao UOL.
A ANAC disse ainda que está adotando as medidas administrativas cabíveis "por entender que este tipo de prática, a utilização de aeronave privada para execução de transporte público remunerado (táxi aéreo), oferece risco a terceiros."
"Será comunicado os contratantes do serviço que a aeronave não possui autorização para táxi aéreo. Ao final do processo administrativo, o operador e proprietário da aeronave, pilotos e a empresa de táxi aéreo, que se valeu da utilização de uma aeronave sem autorização para o serviço, poderão ser multados, ter seus certificados cassados e ainda responder processos em âmbito judicial e criminal", destacou a Anac.
A Agência reforça que a punição para os que praticam o Taca (Transporte Aéreo Clandestino de Passageiro) ficou mais severa a partir deste ano. "As multas aplicadas para Taca variavam entre R$ 1.200 e R$ 20 mil - valores muitas vezes abaixo do custo cobrado pelo serviço sem certificação. Com a nova regra, o valor mínimo passa a ser de R$ 12 mil e o valor máximo pode chegar a R$ 200 mil."
O UOL tentou contato com a Easy Air, desde a última terça-feira (19), mas a empresa não se posicionou sobre o assunto até a publicação deste texto. A reportagem telefonou para o telefone móvel de plantão da empresa e uma pessoa identificada pelo nome de Estevão informou que a direção iria retornar para explicar o ocorrido em meia hora. Entretanto, as ligações não foram mais atendidas. A reportagem enviou por dois números mensagens para o WhatsApp da empresa e os contatos foram bloqueados.
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