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Para investigação da PM do CE, policiais mataram menino em legítima defesa

Mizael Fernandes da Silva tinha 13 anos - Arquivo pessoal
Mizael Fernandes da Silva tinha 13 anos Imagem: Arquivo pessoal

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió (AL)

10/10/2020 01h07

A conclusão do IPM (Inquérito Policial Militar) sobre a morte do adolescente Mizael Fernandes da Silva, 13, ocorrida no município de Chorozinho (CE), que apontou que dois policiais militares atiraram contra o garoto em "legítima defesa própria e de terceiros", causou revolta na família da vítima. A mãe do menino, Leidiane Rodrigues da Silva, 33, afirmou que o resultado é "uma mentira covarde", pois foi criada uma cena "sem provas, sem justificativa para a violência causada contra meu filho e toda família."

A PM afirma sustentar a afirmação dos policiais de que o garoto estava armado com um revólver e que reagiu à ação da polícia. Já a família do menino rebate a versão dos policiais e diz que ele morreu dormindo sem saber o que se passava naquele momento.

A Polícia Militar do Ceará informou que o "Inquérito Policial Militar concluiu que a conduta dos policiais militares envolvidos na ocorrência encontra-se amparada pelo excludente de ilicitude previsto no artigo 42, inciso II, do Código Penal Militar". O artigo diz que "não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento do dever legal; em exercício regular de direito." O artigo trata ainda "estado de necessidade, como excludente do crime."

"Os autos serão remetidos à autoridade delegante, bem como ao Juízo Militar Estadual", informou a PM do Ceará.

Em tom de revolta, Leidiane disse que vai cobrar Justiça até o fim da vida dela em memória ao filho, pois "ele não era um bandido". A família disse que teme represálias, mas que não vai recuar.

"Meu filho morreu dormindo, inocentemente. Inventaram que ele estava com uma arma, essa arma nunca apareceu porque não existe! Meu filho nunca pegou em uma arma de fogo, era uma criança estudiosa. Acabaram com a vida dele, com a minha e a da nossa família. Estamos sofrendo muito. Se cobrar por Justiça for custar minha vida, que venham, pois não vou deixar sujarem a vida de uma criança inocente", afirmou Leidiane.

Ela rechaçou o trabalho de investigação militar e atribui o resultado porque "Mizael era pobre". "Filho de rico não ia ter esse tratamento não. Esse documento não passa de uma mentira. Como é que um policial confirma uma mentira dessas? Não vamos aceitar nunca esse resultado", disse Leidiane. A família de Mizael trabalha colhendo e assando castanhas de caju em um terreno.

A tia de Mizael, Lisângela Rodrigues, que estava no momento que o sobrinho foi morto, afirmou que até agora as testemunhas — ela, o marido, o filho e o tio — não foram ouvidos pela Polícia Militar. "Como se pode fazer uma conclusão dessa se nenhuma testemunha foi ouvida?", questiona.

A família do garoto destaca que ele era um adolescente estudioso, ajudava no trabalho dos pais e tios e não tinha envolvimento com nada ilícito. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará informou que Mizael não tinha antecedentes criminais.

Mizael passava uns dias na casa da tia Lisângela Rodrigues, no município de Chorozinho, pois estava fazendo tratamento médico quando foi morto em uma operação do Comando Tático Rural.

Familiares que estavam no imóvel relataram à Polícia Civil que por volta da 1h da madrugada um grupo de policiais militares invadiu o terreno e ordenou que todos saíssem da casa. Mizael estava dormindo em um dos cômodos e não ouviu a ordem.

O menino estava dormindo em uma das camas e junto estava um telefone celular que ele tinha comprado um dia antes, no valor de R$ 200, depois que conseguiu juntar dinheiro com a venda de castanhas. Logo depois, os familiares ouviram tiros e se desesperaram. O menino morreu na hora que foi atingido pelos disparos.

Três policiais militares foram indiciados pela Polícia Civil no dia 21 de setembro, data que o inquérito foi remetido ao Ministério Público Estadual. A Polícia Militar se ateve a confirmar apenas o resultado do IPM e não justificou a versão dos militares.

O UOL tentou localizar os policiais envolvidos na morte de Mizael, mas não conseguiu. Eles não se pronunciaram à imprensa desde que o caso se tornou público.

O inquérito policial presidido pela delegada Adriana Câmara, da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário, tem o resultado contrário ao da Policia Militar.

Neste inquérito, o sargento da Policia Militar Enemias Barros da Silva foi indiciado pelo crime de homicídio qualificado, por motivo fútil, de acordo com o artigo 121, inciso II, do Código Penal. O militar também foi indiciado por fraude processual. Os outros dois policiais militares que estavam com Silva também foram indiciados pelo crime de fraude processual. Eles não tiveram os nomes divulgados.

Agora, o IPM segue para apreciação do Ministério Público Militar, como seguiu o inquérito da Polícia Civil para o Ministério Público Estadual. Caso o Ministério Público avalie que há provas contra os policiais militares sobre a morte de Mizael, o caso será denunciado à Justiça. Depois, o juiz vai analisar se a denúncia procede e os policiais se tornarão réus ou se ela será arquivada.

O processo corre em segredo de Justiça. O Ministério Público do Ceará não se manifestou judicialmente sobre o inquérito e informou que está "analisando o caso e que se manifestará em breve."