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Família de João Alberto processará Carrefour, empresa de segurança e Estado

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

24/11/2020 17h36Atualizada em 25/11/2020 09h16

A família de João Alberto Silveira Freitas, 40, vai processar o Carrefour, a empresa de segurança Vector e o governo do estado do Rio Grande do Sul. Beto, como era conhecido, foi morto após ser espancado por dois seguranças do estabelecimento - Magno Braz Borges, 30, e o policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva, 24, na última quinta-feira (19), na unidade do mercado na zona norte da cidade. Os dois homens estão presos.

Conforme o advogado Rafael Peter Fernandes, que defende o pai de Beto, João Batista, serão duas ações indenizatórias diferentes. Na primeira, contra o Carrefour e a Vector, devido à morte dentro do supermercado. Já na outra ação, Fernandes atribui ao Estado o vazamento dos antecedentes policiais de Beto — um print circulou nas redes sociais.

Na primeira ação, o advogado observa que a morte ocorreu em meio a uma "relação de consumo" e, por isso, vai recorrer ao Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. "Ele estava fazendo e aconteceu esse ato ilícito", afirmou o advogado, em entrevista ao UOL.

Já na outra, o argumento é de que as informações vazadas pelo governo estadual têm "caráter sigiloso" e são de cunho pessoal. "O que foi divulgado nas redes sociais, e a imprensa teve acesso, são informações dos antecedentes policiais, não são criminais", salientou o advogado, que não soube dizer quantos desses registros resultaram em condenação.

"Eu entendo que, como há envolvimento do policial temporário, esse vazamento atua de forma a desqualificar a vítima. Tivemos primeiramente exposição indevida, porque só um servidor pode ter acesso a esse sistema (policial)", lembra Fernandes, que observa que o vazamento infringe a Lei de Proteção de Dados, Lei de Abuso de Autoridade e o próprio Código Civil.

Ainda não há uma data certa para o ingresso das ações, mas Fernandes adianta que deve ocorrer após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

Na tarde de hoje, a Polícia Civil prendeu uma terceira pessoa suspeita de envolvimento na morte de Beto, a agente de fiscalização do Carrefour Adriana Alves Dutra, 51 anos, que nas imagens gravadas durante o espancamento aparece ao lado dos dois seguranças que o imobilizaram. Ela foi presa temporariamente e deve ficar detida por 30 dias.

Estado diz que abriu auditoria no sistema

Procurada pelo UOL, a assessora da SSP (Secretaria da Segurança Pública) do Rio Grande do Sul informou que abriu, na última sexta-feira (20), uma auditoria no sistema e "rastreou todos os usuários que realizaram consultas na referida ficha", segundo nota.

A apuração interna, ainda segundo o órgão, ocorreu "tão logo se identificou a circulação em redes sociais de uma imagem de reprodução do que seria a ficha da vítima João Alberto Silveira Freitas no sistema Consultas Integradas", conforme nota.

Segundo a SSP, todos os usuários foram identificado e, agora, o Disp (Departamento de Inteligência da Segurança Pública) da secretaria "irá oficiar as corregedorias das instituições aos quais os usuários estão ligados para que prestem esclarecimentos sobre a consulta realizada".

"Aqueles que não apresentarem justificativa efetiva para a utilização do sistema sofrerão a perda do acesso e estão sujeitos à responsabilização administrativa, civil e criminal, bem como qualquer pessoa que compartilhe o conteúdo em redes sociais, em especial funcionários públicos", ainda segundo a SSP.

"O Disp tem feito acompanhamento permanente das redes e poderá intimar os donos de perfis que compartilhem ou mantenham tal conteúdo online", complementou o órgão em nota.

Carrefour diz que ofereceu suporte à família da vítima

Em nota, o Carrefour informou que está consternado com o "triste incidente" que acabou tirando a vida de Beto.

"Nós entramos em contato com a família de João Alberto e nos colocamos à disposição para dar todo o suporte e auxílio neste momento tão difícil. Sabemos que nada que fizermos trará a vida de João Alberto de volta", observou a nota.

"Tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte às autoridades locais", finaliza a assessoria da rede de supermercados.

A reportagem do UOL tenta contato com a empresa de segurança Vector.

Entenda o caso

Beto foi morto na última quinta-feira (19) no Carrefour da zona norte de Porto Alegre. Segundo a esposa dele, Milena Borges Alves, 43, o casal foi ao supermercado para comprar ingredientes para um pudim de pão e adquirir verduras. Gastaram cerca de R$ 60. Ela conta que ficaram poucos minutos no Carrefour e que Beto saiu na frente em direção ao estacionamento. Ao chegar ao local, Milena se deparou com o marido se debatendo no chão. Ele chegou a pedir ajuda, mas a esposa foi impedida de chegar perto dele.

João Alberto era casado e pai de quatro filhas de outros casamentos. Na foto, ele com a esposa e a enteada - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
João Alberto Silveira Freitas e a esposa, Milena Borges Alves (e); ele foi espancado em uma loja do Carrefour em Porto Alegre e morreu
Imagem: Arquivo pessoal

Ontem, UOL teve acesso ao vídeo que mostra as agressões no estacionamento. A gravação começa com Beto desferindo um soco no PM temporário, que é seguida por chutes, pontapés e socos do segurança e do PM temporário.

A maior parte das imagens mostra a imobilização com uso da perna flexionada do segurança sobre as costas de Beto. O uso da "técnica" pode ter se estendido por mais tempo além dos 4 minutos, já que o vídeo foi cortado. Nos Estados Unidos, George Floyd foi mantido por 7 minutos e 46 segundos com o joelho do policial sobre o pescoço dele, segundo os promotores de Minnesota. No sábado, UOL havia mostrado imagens do momento de Beto no caixa, antes de descer para o estacionamento com os seguranças.

A morte de Beto gerou protestos em Porto Alegre e em outras partes do país. Na capital gaúcha, um grupo de 50 pessoas conseguiu acessar o pátio do mercado, mas recuar após atuação da Brigada Militar. Uma pessoa conseguiu invadir e pichou a fachada do prédio. Outros colocaram fogo em materiais.