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Funcionárias se contradizem sobre atritos anteriores de Beto no Carrefour

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

23/11/2020 09h58Atualizada em 23/11/2020 17h35

Duas funcionárias do Carrefour deram depoimentos contraditórios à polícia na investigação sobre a morte de João Alberto Silveira Freitas, 40, cliente negro que não sobreviveu após ser espancado por dois seguranças do estabelecimento - Magno Braz Borges e o policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva - na última quinta-feira (19). Os dois homens estão presos.

O UOL teve acesso aos depoimentos. Uma fiscal, à qual Beto teria acenado enquanto ainda estava no caixa com a esposa, disse à polícia, na condição de testemunha, que nunca o tinha visto e que não entendeu por que ele estava agindo daquela maneira.

Já uma agente de fiscalização, Adriana Alves Dutra, a mesma que aparece no vídeo do estacionamento pedindo que as imagens não fossem gravadas e que é considerada investigada pela polícia, disse que a colega relatou para ela que Beto teria tido atrito com outros funcionários em outras ocasiões.

"Parecia estar furioso"

A fiscal estava na frente dos caixas acompanhada dos dois seguranças quando Beto chegou com a esposa para passar as compras e fazer o pagamento. Segundo a mulher, o cliente "passou a encará-los" e foi na direção dela, que se esquivou. A fiscal disse que Beto "parecia estar furioso com alguma coisa" e não "aparentava estar fazendo uma brincadeira", como afirmou a esposa do cliente à polícia e para o UOL.

Ainda segundo o relato da funcionária, Beto foi em direção a Borges e "fez um gesto com as mãos como se fosse" empurrá-lo, e o segurança conseguiu desviar. A fiscal disse ainda que o cliente fez novamente um gesto para ela, que mais uma vez se esquivou. Em seguida, Borges e Silva levaram Beto para o estacionamento da loja. Antes de sair da loja, Beto deu um soco no PM temporário e, a partir daí, começaram as agressões que terminaram com a morte dele.

A fiscal afirmou ainda à polícia que não conhecia o cliente e não sabia o motivo da atitude dele. A funcionária relatou que permaneceu nos caixas e só viu que o cliente havia morrido quando foi chamada para ir até a entrada da loja. Ao chegar lá, os paramédicos já estavam fazendo os primeiros socorros em Beto.

Contradição

O UOL teve acesso ao depoimento da outra funcionária, a agente de fiscalização. Ela afirmou que a colega, a fiscal de caixa, relatou que Beto "seria uma pessoa agressiva e que havia entrado em atrito com os fiscais de loja em outras datas", o que contradiz o depoimento anterior.

A agente de fiscalização afirmou que Beto teria "empurrado uma senhora e foi novamente orientado pelo cliente/policial a deixar disso e se acalmar". Em seguida, houve o soco de Beto contra o PM temporário, "momento em que se 'embolaram'", conforme trecho do depoimento.

A funcionária afirmou que acionou a Brigada Militar e ligou para o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ao ver sangue. E que pediu, várias vezes, "aos rapazes que largassem Beto".

No entanto, ela foi flagrada tentando impedir a gravação da cena por um motoboy. "Eu vou te queimar na loja", disse na ocasião. O motoboy rebate que eles não poderiam estar fazendo aquilo, e ela diz que Beto "bateu em uma mulher dentro da loja" e que a "gente sabe o que está fazendo".

Entenda o caso

Beto foi morto na última quinta-feira (19) no Carrefour da zona norte de Porto Alegre. Segundo a esposa dele, Milena Borges Alves, 43, o casal foi ao supermercado para comprar ingredientes para um pudim de pão e adquirir verduras. Gastaram cerca de R$ 60. Ela conta que ficaram poucos minutos no Carrefour e que Beto saiu na frente em direção ao estacionamento. Ao chegar ao local, Milena se deparou com o marido se debatendo no chão. Ele chegou a pedir ajuda, mas a esposa foi impedida de chegar perto dele.

Ontem, UOL teve acesso ao vídeo que mostra as agressões no estacionamento. A gravação começa com Beto desferindo um soco no PM temporário, que é seguida por chutes, pontapés e socos do segurança e do PM temporário.

A maior parte das imagens mostra a imobilização com uso da perna flexionada do segurança sobre as costas de Beto. O uso da "técnica" pode ter se estendido por mais tempo além dos 4 minutos, já que o vídeo foi cortado. Nos Estados Unidos, George Floyd foi mantido por 7 minutos e 46 segundos com o joelho do policial sobre o pescoço dele, segundo os promotores de Minnesota. No sábado, UOL havia mostrado imagens do momento de Beto no caixa, antes de descer para o estacionamento com os seguranças.

A morte de Beto gerou protestos em Porto Alegre e em outras partes do país. Na capital gaúcha, um grupo de 50 pessoas conseguiu acessar o pátio do mercado, mas recuar após atuação da Brigada Militar. Uma pessoa conseguiu invadir e pichou a fachada do prédio. Outros colocaram fogo em materiais.