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MG: família usava pensão de R$ 8 mil de mulher escravizada, dizem auditores

23.dez.2020 - Madalena Gordiano, 47, viveu sob regime análogo à escravidão por 38 anos - TV Globo
23.dez.2020 - Madalena Gordiano, 47, viveu sob regime análogo à escravidão por 38 anos Imagem: TV Globo

Thiago Rabelo

Colaboração para o UOL, em Patos de Minas (MG)

03/01/2021 04h03Atualizada em 07/01/2021 12h40

A pensão recebida por Madalena Gordiano, mantida em condição análoga à escravidão por 38 anos em Minas Gerais, financiou custos da família Milagres Rigueira durante 17 anos, segundo informações prestadas por auditores fiscais do caso. Segundo apuração da reportagem do UOL, o dinheiro de Madalena teria ajudado a pagar inclusive curso de medicina feito por uma das mulheres da família.

Madalena tem uma renda de R$ 8,4 mil oriunda de um casamento com um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, mas jamais teve controle do dinheiro, que era administrado por Maria das Graças Milagres Rigueira e o filho, Dalton César Milagres Rigueira, segundo apontam as investigações.

Advogado da família Milagres Rigueira, Brian Epstein Campos disse em nota que ainda não teve acesso aos autos do processo. O defensor também disse que os familiares "estão abalados pelo acontecimento e preferem se manter em silêncio".

Casada em 2001 com Marino Lopes da Costa, - tio de Valdirene Lopes da Costa, esposa de Dalton -, Madalena recebe duas pensões desde 2003, quando o marido morreu aos 80 anos de idade.

O matrimônio foi alvo de denúncia em 2008, porém o processo foi encerrado em 2015 por falta de provas, apesar de "fortes indícios de ocultação do fato".

Já ciente da saúde debilitada do tio de Valdirene por conta da idade, Maria das Graças teria organizado o casamento de Madalena para que o dinheiro da pensão pudesse pagar a faculdade da filha Vanessa Maria Milagres Rigueira, formada em 2007 pela Faculdade de Medicina de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Quando Vanessa estava praticamente formada, Dalton passou a administrar o dinheiro de Madalena e se mudou ao receber uma proposta para dar aula em uma universidade de Patos de Minas (MG) em dezembro de 2006.

No depoimento dado ao MPT (Ministério Público do Trabalho) obtido pelo UOL, Dalton declarou ter uma renda de R$ 10 mil como professor universitário e mais R$ 1,3 mil do aluguel de dois imóveis. Ele ainda fez dois empréstimos consignados no nome de Madalena, com dívida restante de R$ 18,5 mil no Banco do Brasil, segundo apurou a reportagem.

DE acordo com o MPT, a renda da família, sem a pensão de Madalena, é incompatível para quem tem um imóvel de quatro quartos financiado na área mais nobre de Patos, com parcelas de R$ 1,7 mil, e paga faculdade para duas filhas, uma delas estudante de medicina em Uberaba, com mensalidade de R$ 6,8 mil.

Dalton se defendeu das acusações e disse que a irmã Vanessa ajuda a pagar a mensalidade de Raíssa, que, segundo colegas de sala, era frequentemente vista nos melhores restaurantes da cidade e gostava de mostrar o padrão de vida nas redes sociais.

Em São Miguel do Anta, a família Milagres é vista como uma das mais tradicionais, status que gera desconforto em muitas pessoas ao serem questionadas sobre o passado de Madalena e como seus patrões a exploraram. Um dos símbolos da tradição da família é Ildeu Pereira Milagres Fialho, político influente que foi prefeito da cidade na década de 1970.

Mesmo com uma renda superior a R$ 11 mil, a família de Dalton recorreu ao auxílio emergencial e teve três pedidos aceitos pelo governo federal. Valdirene e as filhas Bianca e Raíssa receberam cinco parcelas de R$ 600 e uma de R$ 300, totalizando R$ 3,3 mil para cada uma.

O benefício dado contraria aos princípios do programa social, que não prevê liberação a quem tenha renda familiar superior a três salários mínimos (R$ 3,135 mil).