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Retroescavadeiras viram 'coveiras' de maior cemitério de Manaus

Cemitérios de Manaus registram novo crescimento exponencial do número de sepultamentos - Carlos Madeiro/UOL
Cemitérios de Manaus registram novo crescimento exponencial do número de sepultamentos Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Manaus

16/01/2021 19h20

As retroescavadeiras não param no cemitério Parque de Manaus, o maior da capital amazonense, no bairro do Tarumã. "De primeira a gente cavava as covas manualmente, mas devido à demanda não dava mais para dar conta", conta Ulisses de Souza Xavier, 52. Com 16 anos de experiência, ele é um dos 24 coveiros do campo santo,

Somente nesta sexta foram 213 sepultamentos na capital do Amazonas, muito superior à média histórica de 30 a 40 antes da pandemia. Só no cemitério visitado foram mais de 70. A cidade vive uma nova crise do sistema de saúde pública em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Faltam cilindros de oxigênio nos hospitais para atender uma demanda cada vez maior de pacientes.

Somente no início da tarde deste sábado, a reportagem do UOL contou pelo menos 10 carros funerários que entraram com corpos para serem enterrados no local em pouco mais de uma hora.

Por conta dos enterros que não param, uma nova área foi aberta e destinada, este ano —mas que já tem mais de 100 corpos enterrados. A parte antiga de enterros por covid-19 lotou com os mais de mil corpos de pessoas enterradas (metade delas por covid-19, metade por suspeita que está ou esteve em análise).

'Nunca imaginei que ia viver isso'

Na nova área, a retroescavadeira abre a cova instantes antes de o corpo chegar a ser sepultado. "Em 16 anos aqui nunca imaginei que ia viver isso. É muito triste", diz Ulisses, que conta trabalhar de domingo a domingo.

Não é só o trabalho dos coveiros que é grande, mas também dos roçadores —funcionários que tiram o mato e abrem espaço no terreno para que as covas possam ser abertas.

"Só hoje de manhã ajeitamos 14 covas. Agora em janeiro cresceu demais. Às vezes choro porque nunca vi uma parada assim. Estamos exaustos", conta Vandelson Souza. Ele foi deslocado pela prefeitura para atuar na limpeza e ajudar a equipe do cemitério.

"A gente se sente muito triste, porque é difícil para qualquer pessoa que está aqui. Reduziram em meia hora nosso almoço por tanto trabalho", reforça Welerte Silva, que também é roçador.

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Vandelson Souza e Welerte Silva trabalham como roçadores no cemitério do Tarumã, em Manaus
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Enterro rápido e isolado

A dor dos parentes é ainda maior por conta da necessidade de distanciamento e um enterro ocorre em menos de três minutos.

O UOL acompanhou um dos sepultamentos, de Maria de Fátima, 58. "O sonho dela era se aposentar", conta o motorista de Uber Alexandre Pereira, 32, que é filho dela.

Ao lado dele, um outro filho e a tia acompanharam o enterro. Antes de tirarem o caixão do carro funerário, eles choraram abraçados em torno do corpo.

Maria de Fátima morreu às 16h30 de ontem, logo após ter uma parada cardíaca na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Campos Sales. "Ela estava tendo uma melhora rápida, mas teve essa parada e viram que era necessário remover. Ela foi para o Hospital Delphina Aziz, mas chegou já sem vida", diz, atribuindo parte da piora dela à falta de oxigênio.

"No óbito dela está dando tipo asfixia, ou seja, creio que tenha a ver, sim, com essa falta que houve. Vejo que a saúde de Manaus está muito ruim, tem gente morrendo na porta das UPAs. É uma dor muito grande enterrar minha mãe assim, nessa situação", completa.

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O maior cemitério do Manaus registrou 213 enterros na sexta-feira (15)
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Pouca gente e obras

Apenas três familiares podem entrar para assistir o sepultamento. Do lado de fora, próximo à grade do cemitério, familiares e amigos aguardam —por conta da distância não é possível ver nada.

Na entrada, cadeiras e uma tenda para protegê-los do sol foram montadas. Na porta, em alguns momentos, carros funerários precisam aguardar para entrar porque os coveiros estão ocupados.

Para abrigar os corpos que chegam à noite, duas câmaras frias foram alugadas para conservar os cadáveres até o dia seguinte para enterro.

Por conta do avanço rápido no número de mortos, a prefeitura decidiu construir pequenos prédios de gavetas com estrutura de quatro andares e 48 vagas cada um. São 336 já construídas, e a meta é fazer 22 mil.

Nenhuma dessas gavetas ainda foi utilizada porque ainda há espaço físico para enterros, mas não se sabe até quando: os espaços livres do local estão acabando; e número de sepultamentos, crescendo.