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Mãe doa órgãos de menino de 8 anos morto no Rio: 'Pra salvar outras vidas'

Kaio Guilherme da Silva Baraúna foi baleado na cabeça na comunidade Vila Aliança, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro - Arquivo Pessoal
Kaio Guilherme da Silva Baraúna foi baleado na cabeça na comunidade Vila Aliança, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro Imagem: Arquivo Pessoal

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro*

26/04/2021 10h47

A mãe do menino Kaio Guilherme, de 8 anos, que se tornou a terceira criança morta por arma de fogo, neste ano, no estado do Rio de Janeiro, de acordo com o levantamento da ONG Rio de Paz, anunciou que os órgãos do garoto serão doados. Kaio é mais uma das crianças que morreram por causa da violência na capital fluminense.

A mãe de Kaio, Thaís Silva, de 29 anos, que é professora, disse que a doação de órgãos foi uma maneira que a família encontrou de manter o Kaio vivo em outras pessoas.

"Desde o momento que a médica deu a primeira resposta que poderia ter morte encefálica, eu via meu filho respirando, então como via o coração dele batendo, já passava pela minha cabeça que se o pior acontecesse, eu faria esse ato. É uma maneira de sentir nosso filho vivo por aí, nos cantinhos. E a segunda coisa que eu pensei foi que talvez esse fosse o propósito de Deus: levar meu filho e salvar outras vidas", disse a mãe do menino para jornalistas, hoje no IML.

"Eu tô colocando sempre no meu pensamento que Deus quis levá-lo para eu poder salvar outras vidas, tô tentando confortar meu coração. Acredito que talvez foi o melhor. Talvez se meu filho tivesse sobrevivido, ele não seria a criança que ele era, talvez ele não conseguisse mais jogar o futebol dele, talvez ficaria deitado ou sentado, sem expressão", concluiu.

Foram doados coração, córneas e rins.

Thais relatou que o filho estava em uma fila de pintura corporal na escola quando caiu no chão. "Eu tinha acabado de entregar um copo de refrigerante que ele havia pedido. Quando virei de costas, só escutei o grito dele caindo. Olhei e vi muito sangue".

A professora contou que não havia operação policial na comunidade naquele momento e que imagina que o tiro possa ter vindo de outra comunidade. Um vizinho, que é socorrista, ajudou a levar o menino ao hospital. "No carro, teve momentos de ele falar 'minha cabeça está doendo muito'. Depois, ele apagava e voltava, gritando", lembrou a mãe.

Kaio foi atingido na cabeça, na sexta-feira (16), durante uma confraternização que ocorria na escola onde ele estudava na Vila Aliança, em Bangu, na zona oeste, e morreu no sábado (24). A família optou pela doação dos órgãos e a cirurgia foi realizada ontem. Ainda não há informações sobre o enterro do garoto.

O menino foi levado para o Hospital Municipal Albert Schweitzer, no bairro vizinho de Realengo, onde recebeu os primeiros atendimentos. De acordo com a mãe, a unidade não tinha neurocirurgião naquela hora, e por isso, ele foi transferido para o Pedro 2º.

A criança chegou na unidade já em estado grave, passou por cirurgia, e teve o fluxo sanguíneo na região cerebral acompanhado. Um dos resultados chegou a dar inconclusivo para morte cerebral. No entanto, no sábado (24) foi declarada a morte da criança.

Uma amiga da família de Kaio, Vanessa Balbina, disse que a comunidade está de luto com a perda da criança. "Kaio era um menino inteligente, amável e que sonhava em ser jogador de futebol. Ele era brincalhão, alegre, um menino caseiro que respeitava todo mundo. Nossa rua está em luto. A mãe dele é uma professora muito amada aqui na comunidade. Essa violência está demais. Pagamos por erro dos outros. Era uma criança iniciando sua vida que foi interrompida", disse a amiga da família na manhã de hoje ao UOL.

Vítimas de 'bala perdida'

Desde 2007, são 82 crianças vítimas de bala perdida. "Na maioria dos casos a investigação não aponta o autor do disparo", destacou a Rio de Paz nas redes sociais.

Já a plataforma Fogo Cruzado, que também acompanha os casos de violência no estado, aponta que o estudante foi a centésima criança baleada, na região metropolitana do Rio, desde 2016.

A Polícia Civil do Rio investiga o caso.

Outras vítimas neste ano

Além de Kaio, morreram neste ano, Alice Pamplona da Silva de Souza, de apenas 5 anos. A menina levou um tiro no pescoço durante as comemorações de ano novo, no Morro do Turano, no bairro do Rio Comprido, na região central da cidade. Não havia operação policial no local.

Ana Clara Gomes Machado, 5, também foi vítima de bala perdida. Ela no dia dois de fevereiro, na comunidade Monan Pequeno, em Pendotiba, Niterói, região metropolitana do Rio. A família acusou policiais militares de efetuarem o disparo.

Já o menino Ray Pinto Farias, 14, foi encontrado no dia 22 de fevereiro no Hospital Salgado Filho, no Méier, na zona norte do Rio, após a família passar o dia fazendo buscas pela região. Ele foi visto pela última vez na favela do Fubá, em Cascadura, onde morava. No momento em que desapareceu havia operação da PM na comunidade e familiares acusam os policiais pela morte do garoto.

*Com informações de Rai Aquino, em Colaboração para o UOL, no Rio.