'Café com Deus Pai' é coaching? Do que trata o maior best-seller do Brasil?

O livro devocional 'Café com Deus Pai', do pastor Junior Rostirola, tornou-se um fenômeno de vendas, mas também alvo de críticas por parte de teólogos que apontam uma abordagem superficial da Bíblia e um viés de autoajuda.

>>> Quem é Junior Rostirola, criador do podcast-fenômeno Café com Deus Pai

O que é um devocional?

Os devocionais são livros que oferecem reflexões diárias a partir de trechos bíblicos, com o objetivo de incentivar a espiritualidade e a meditação na Bíblia, livro sagrado dos cristãos.

O conteúdo e formato dessas mensagens pode variar bastante. Existem livros que oferecem devocionais semanais outros diários e também aqueles que apresentam um período fixo, por exemplo 60 dias.

Um devocional não é apenas um livro, mas um período que a pessoa se dedica em oração e leitura da Bíblia, com o objetivo de entender como o texto lido pode ser aplicado no seu dia. Nesse sentido, não é necessário que se tenha um outro livro além da Bíblia para o exercício da prática de leitura devocional.

No contexto evangélico, a prática é altamente incentivada e difundida. Recentemente, uma reportagem do UOL mostrou jovens realizando períodos de leitura devocional em escolas.

Nos tradicionais retiros das igrejas, também é comum que se dediquem um período da programação para que os participantes façam sua devocional; o mesmo acontece em treinamentos de bases missionárias que estimulam que os missionários tenham o devocional como a primeira atividade de seu dia.

Apesar de não ser necessário outro livro além da Bíblia para a prática do devocional, a procura por livros desse gênero literário tem aumentado nos últimos anos e alguns, como 'Café com Deus Pai', se destacam por sua alta vendagem. O livro do pastor Junior Rostirola foi o mais vendido no Brasil em 2024 na plataforma da Amazon, considerando todos os outros gêneros.

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Teologia coaching?

Yuri Pena, pós-graduado em teologia aplicada, analisou o Café com Deus Pai e, segundo o especialista, o livro destaca que muitas mensagens colocam o ser humano como a solução para os próprios problemas, em vez de apontar para Cristo.

Trechos como "Você foi feito para abundância" e "A sua liberdade está em ser quem você é" exemplificam essa abordagem, que pode criar uma percepção equivocada do evangelho e se aproxima da teologia coaching.

O teólogo também observa que a obra se aproxima mais de um manual de autoajuda do que de um devocional cristão. Para Yuri, um livro devocional deve levar à reflexão sobre a Bíblia, mantendo Deus no centro da mensagem. No entanto, em sua perspectiva, Café com Deus Pai frequentemente tira versículos do contexto para reforçar ideias motivacionais.

"Uma reflexão séria exige entender o contexto do que estamos lendo e aplicar corretamente à vida de quem lê", enfatiza Yuri, citando o uso que considera equivocado de Gálatas 1.10 para justificar a ideia proposta pelo pastor Junior Rostirola no livro de que a verdadeira liberdade está em ser quem somos.

O sucesso da obra, segundo Yuri, reflete um problema maior na relação dos cristãos contemporâneos com a fé. Ele aponta que muitas pessoas buscam respostas rápidas para questões como identidade e propósito, e de acordo com o teólogo, materiais que oferecem soluções simplificadas acabam se tornando populares. "O povo evangélico está carente do conhecimento da Bíblia", alerta.

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No Instagram, o perfil do pastor Junior Rostirola já tem mais de 1,1 milhão de seguidores e o perfil oficial do livro já ultrapassou a marca de 2,6 milhões.

Procurado pelo UOL, o autor Junior Rostirola disse que o livro não é de autoajuda, mas sim um convite para um relacionamento com Deus: "as respostas vêm dele", e não de dentro do próprio indivíduo. Segundo o pastor bestseller, o sucesso do devocional se deve à transformação que promove na vida dos leitores, que passam a testemunhar suas experiências, criando uma "corrente muito grande" de impacto.

O autor também compartilha sua história de superação, marcada por um lar disfuncional, violência e bullying. Ele afirma que seu encontro com Deus trouxe cura e o inspirou a criar projetos sociais, como o Lar da Criança Feliz e o Conviver, voltados para crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência. Além disso, menciona o alcance global do projeto, incluindo a Tour Café com Deus Pai, que já passou pela Europa e seguirá para a África e América Latina. Ele destaca ainda o sucesso de seu podcast, que se tornou o "nono mais ouvido do mundo", e antecipa que receberá uma premiação do Spotify por estar entre os três maiores conteúdos globais da plataforma.

Sucesso dos livros devocionais não é recente

Samuel Coto, diretor editorial do grupo HarperCollins Brasil, explicou que o sucesso dos livros devocionais não é um fenômeno recente, mas parte de uma tradição consolidada dentro do mercado editorial cristão. Ele destacou que obras como Pão Diário e Mananciais no Deserto já venderam milhões de exemplares no Brasil, reforçando a importância dos devocionais na prática da fé protestante.

O que mudou, segundo ele, foi a forma como esses livros são distribuídos e promovidos: "Livrarias de interesse geral passaram a vender devocionais com maior afinco e, portanto, esses livros começaram a figurar nas listas de mais vendidos." Além disso, as redes sociais ampliaram a visibilidade desse gênero, fazendo com que o público perceba esse crescimento como algo novo.

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Sobre os critérios editoriais da Thomas Nelson Brasil, editora cristã do grupo, Coto explicou que a escolha dos devocionais segue uma estratégia mais ampla, voltada para diferentes públicos e linhas doutrinárias. "Temos devocionais direcionados para público feminino, público masculino, para jovens, até para crianças", disse, destacando que a editora se preocupa em oferecer conteúdos variados, que vão desde abordagens inspiracionais até estudos bíblicos mais aprofundados. Ele também ressaltou que a editora tem um compromisso com a seriedade e a responsabilidade editorial, evitando obras que "vendem sonhos impossíveis ou propagam ideias irresponsáveis", garantindo que cada publicação tenha um propósito legítimo dentro da fé cristã.

Quanto ao impacto do sucesso dos devocionais no mercado editorial cristão, Coto afirmou que não se trata de uma mudança no hábito de leitura dos evangélicos, mas de um reconhecimento tardio da sociedade brasileira sobre a força desse segmento. "Estamos passando por um momento de descoberta do evangélico brasileiro de forma geral", afirmou.

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