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Ex-agente do Deops Carlinhos Metralha é denunciado pelo MPF

Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha é denunciado por participar de morte de militante de esquerda durante o período da ditadura no Brasil - Michel Filho/O Globo
Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha é denunciado por participar de morte de militante de esquerda durante o período da ditadura no Brasil Imagem: Michel Filho/O Globo

26/05/2021 18h49

O MPF (Ministério Público Federal) denunciou, mais uma vez, o delegado Carlos Alberto Augusto, conhecido como "Carlinhos Metralha" por crimes cometidos na ditadura. A nova ação foi movida pelo procurador da República Andrey Borges de Mendonça. O órgão detalha que, o acusado foi integrante da equipe de Sérgio Paranhos Fleury, no Deops/SP (Departamento Estadual de Ordem Polícia e Social de São Paulo). De acordo com a acusação, Carlinhos Metralha esteve em diversas sessões de tortura que culminaram na morte de Devanir José de Carvalho, militante de esquerda, integrante do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) assassinado em abril de 1971.

Nos registros oficiais dos órgãos de repressão consta que, Devanir foi morto após confronto com policiais. No entanto, segundo testemunhas e documentos analisados da época, ele foi levado com vida ao Deops e no local passou por três dias de intensas torturas.

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A equipe de Fleury tinha Devanir como alvo desde o seu envolvimento no sequestro do cônsul japonês Nobuo Okushi, em março do ano anterior. O militante foi capturado no dia 5 de abril de 1971 quando chegava em uma casa utilizada pelo MRT para reuniões, em Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Policiais que sabiam das reuniões aguardavam por ele. Devanir foi atingido com uma rajada de metralhadora nas pernas.

A fim de conseguir informações sobre os demais integrantes do MRT, Devanir foi levado para o Deops. No local, o militante não passou informações sobre o grupo e por isso, continuou sendo torturado e no dia 7 foi morto pela equipe de repressão. Segundo o MPF, Devanir foi morto pois os agentes não queriam que ele se tornasse um "novo Bacuri" como chamavam Eduardo Collen Leite, um guerrilheiro que também havia participado do sequestro do diplomata. O militante passou 109 dias sendo torturado na unidade, sem passar dados de outros grupos que também se opunham à ditadura. Após intensas agressões, Bacuri morreu em dezembro de 1970.

No laudo necroscópico de Devanir há a informação de que ele havia sido morto em confronto com os policiais, no dia 5, quando foi capturado. Contudo, não havia informações essenciais como a trajetória das balas que causaram a sua morte além de não mostrar as informações sobre as marcas de tortura vistas na foto anexada ao processo. Na imagem, a vítima tem diversos hematomas pelo corpo. A foto não foi incluída no relatório do IML (Instituto Médico Legal). A necropsia só foi concluída em 15 de abril, cerca de 9 dias após a morte da vítima.

O MPF defende que a a versão oficial é desmentida pelos registros dos próprios órgãos de repressão. Nos documentos do Centro de Informações do Exército (CIE) a morte de Devanir foi registrada no dia 7. Ex-presos políticos e carcereiros do Deops na época do ocorrido, também confirmam o período de três dias que ele foi mantido na unidade sendo torturado. O corpo de Devanir foi enterrado em uma vala comum no cemitério da Vila Formosa, zona leste de São Paulo. A família nunca recuperou os restos mortais.

O objetivo do MPF é que Carlos Alberto Augusto seja condenado por homicídio qualificado, com agravantes como o motivo torpe do assassinato (perseguição política), o emprego de tortura, o abuso de autoridade e a adoção de métodos que impossibilitaram a defesa da vítima. O órgão também quer o cancelamento de aposentadoria e qualquer outro benefício que o ex-agente tenha acumulado assim como condecorações recebidas pelos serviços prestados durante a ditadura.

O MPF também já denunciou Carlos Augusto por outros crimes como o sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, também em 1971. Uma ação penal foi instaurada para investigar o caso e após as ações em primeira instância, o caso está pronto para julgamento. Esta pode ser a primeira condenação de um ex-agente de repressão por crimes políticos caso a Justiça Federal seja favorável aos pedidos do Ministério Público.

Outros envolvidos na morte de Devanir são Fleury, o ex-delegado do Deops Alcides Cintra Bueno e os médicos legistas João Pagenotto e Abeylard de Queiroz Orsini, autores do laudo necroscópico da vítima. Todos já falecidos. Segundo o MPF, Orsini forjou pelo menos 17 relatórios que corroborassem versões oficiais dos órgãos de repressão sobre a morte de militantes que se mostravam contrários à ditadura. Os documentos eram elaborados a partir das pedidos de policiais. Os requerimentos chegavam ao IML com a marca "T" para identificar que as vítimas seriam "terroristas", com sinais de tortura que deveriam ser omitidos na perícia.

O MPF argumenta que a morte de Devanir constitui um crime contra a humanidade e que para este, não cabe anistia ou prescrição.