Durante fuga, Lázaro queimava o que usava para não deixar rastros ou cheiro
Matheus Pichonelli*
Colunista do UOL
28/06/2021 16h40Atualizada em 28/06/2021 19h11
Na véspera de ser morto pela polícia, Lázaro Barbosa de Souza foi visto pelas câmeras do sistema de vigilância andando pela periferia de Águas Lindas, município de 217 mil habitantes do interior de Goiás. Andava a pé e estava sendo monitorado desde que tentou fazer contato com a ex-companheira. Ela foi levada à delegacia para prestar esclarecimentos. Foi lá, naquela cidade, que Lázaro escapou pelo teto da penitenciária local em 2018, como contou a primeira parte da crônica da fuga de Lázaro.
Nas imagens que que registraram os últimos passos de sua fuga, após 20 dias de caçada, ele andava a pé e usava um colete com um símbolo da Polícia Militar do Distrito Federal. Horas depois, em uma manhã de segunda-feira ensolarada, ele foi cercado na mata e alvejado com mais de dez tiros. Carregava uma pistola e R$ 4,4 mil. Tinha 32 anos e uma ficha criminal com mais de 30 acusações.
Leia, a seguir, a segunda parte da crônica da fuga de Lázaro, publicada pelo UOL, com alguns momentos-chave da perseguição a ele, que mobilizou um amplo aparato tecnológico e quase 300 policiais.
15 de junho. Cocalzinho de Goiás
Deitados, os reféns foram cobertos com folhas para despistar o helicóptero que sobrevoava o ribeirão. Lázaro Barbosa de Souza pretendia matar o pai, a mãe e a filha levados para a mata como escudo humano. Não teve tempo de cumprir a ameaça.
Por terra, os policiais com roupas escuras chegaram ao esconderijo atirando. Lázaro, que se preocupou em fazer os reféns andarem pelas pedras do córrego, para não deixarem pegadas, revidou e correu. A família estava salva.
"São três vítimas", disse um dos agentes quando novos disparos foram ouvidos. A ordem era para que todos saíssem do rio e da direção das balas. No tiroteio, um projétil acertou de raspão o rosto de um policial, que precisou ser socorrido por um helicóptero dos Bombeiros e levado a Anápolis.
Lázaro escapava pela mata novamente. Levaria mais 13 dias até ser finalmente capturado — e morto — a 64 quilômetros dali.
16 de junho. Cocalzinho
Em vez de resistência, porteiras abertas. Protagonista das histórias sobre "a caçada" pela região, Lázaro Barbosa encontrou no caminho muitas fazendas e chácaras abandonadas por quem, com medo de novos ataques, havia se mudado temporariamente para as cidades.
Abertas, as propriedades rurais passaram a ser seu esconderijo e base de mantimentos. No caminho entre um local e outro, Lázaro se alimentava de frutas e pequenos animais. Rãs desossadas no caminho dos córregos passaram a ser uma pista de sua trilha em uma área de grutas, trilhas e cachoeiras.
18 de junho. Girassol
De seu esconderijo, Lázaro sentiu o encalço e mirou no alvo. O tiro não acertou o cão, um dos muitos farejadores usados em sua caçada. O ataque chamou a atenção dos policiais, que atiraram em direção à mata.
Para fugir dos animais, entre eles uma cadela usada nas buscas por vítimas da tragédia em Brumadinho (MG), Lázaro costumava queimar quase tudo o que usava para não deixar cheiro nem rastro. Quase tudo.
Naquele distrito localizado entre Cocalzinho e Águas Lindas, onde fugiu da prisão em 2018, policiais encontraram um lençol manchado de sangue. Era a senha de que poderia estar machucado e usado o tecido como torniquete, para estancar o ferimento.
23 de junho. Girassol
Lázaro Barbosa se aproximou. "Se você falar para alguém que estou aqui, eu vou pegar a sua família. Eu sei onde vocês moram".
O alvo da ameaça, o caseiro Alain Reis Santana, já havia percebido a movimentação estranha na fazenda em Girassol dois dias antes, quando voltou de folga e viu que não havia pão nem leite na geladeira. Ele observou que a louça estava suja sobre a pia.
Avisado, o patrão garantia que Santana estava delirando. Mesmo quando o funcionário dizia ter visto um homem parecido com o fugitivo mancando pela churrasqueira ou recarregando o celular em uma das tomadas da sede.
A suspeita ganhou corpo quando ele ouviu o proprietário gritar para uma região aparentemente aleatória da mata que o almoço estava pronto. Era por isso, desconfiou, que o chefe de repente passou a fazer comida a mais durante as refeições. Passou também a deixar a casa aberta e o caminho livre. O funcionário estava proibido de trancar o local.
Mancando, Lázaro perambulava entre os cômodos da casa, o depósito das máquinas e um bambuzal. Até que a polícia chegou à fazenda e prendeu os dois suspeitos de acobertar o criminoso. Com eles foram encontradas armas e munições.
26 de junho. Cocalzinho
Nervoso, mais magro e mais moreno do que no retrato divulgado pelas autoridades na TV, o homem entrou na padaria falando baixo. Com cabelos longos e lambidos, como se tivesse acabado de sair do banho, ele perguntou para a atendente quanto custava o salgadinho. A funcionária, assustada, pediu um minuto para checar com a patroa — igualmente apavorada.
Pálida, ela queria ganhar tempo para acionar a polícia pelo celular. Não houve tempo. O potencial cliente estranhou o entreolhar das mulheres e saiu de lá.
A moradora de Cocalzinho de Goiás não teve dúvidas. Sem ter a identidade divulgada, correu para dizer na TV que havia acabado de atender o criminoso mais procurado do país. Ele estava com blusa de frio azul escuro, calça jeans e sapato social, cheio de poeira. Só não convenceu as autoridades de que o homem descrito com tantos detalhes em tão pouco tempo era mesmo Lázaro Barbosa, e não uma assombração, dessas que fazem um delírio se tornar coletivo.
A polícia achava pouco provável que ele conseguisse furar o cerco para se arriscar na cidade. Dias antes, em Mato Grosso do Sul, um homem havia sido espancado e largado ferido na estrada quando os potenciais linchadores perceberam que a vítima não era Lázaro. Só um homem muito parecido com o retrato.
28 de junho. Águas Lindas
Na avenida coberta de terra e poeira em frente à escola municipal Alto da Boa Vista, em Águas Lindas (GO), o motorista da Pajero Dakar escura estacionou e correu em direção ao porta-malas. Teve tempo apenas de checar se a arma ainda estava na cintura. Em segundos, outros quatro soldados da Rotam, grupo de operações táticas da Polícia Militar de Goiás, ajudaram a descarregar o corpo pelos pés e braços.
Sem sinal de vida, ele foi lançado em direção a uma van vermelha do Corpo de Bombeiros estacionada a poucos metros do paredão branco da unidade escolar onde se viam os desenhos das bandeiras do Brasil, de Goiás e do município. Quando a sirene tocou, uma pequena multidão começou a aplaudir. Os soldados se abraçaram, efusivos, sob gritos e olhares admirados de homens camuflados, armados com armas de cano longo e aparelhos celular, perto dali. Curiosos, cães vira-latas se juntaram à aglomeração.
O automóvel sumiu pela estrada em direção ao Hospital Bom Jesus. As gotas de sangue caídas na terra em volta da viatura eram os últimos vestígios do homem que durante 20 dias driblou as autoridades tentando apagar suas pegadas, rastros de roupas e até mantimentos por onde passou.
* Colaborou Nathan Lopes, do UOL em Sâo Paulo