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Boate Kiss: "Para tirar as dores dos pais, me condenem", diz réu

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

09/12/2021 10h27Atualizada em 09/12/2021 11h59

O ex-produtor da banda Gurizada Fandangueira Luciano Bonilha pediu que fosse condenado em depoimento hoje no julgamento do caso da Boate Kiss, em andamento há nove dias em Porto Alegre. Ele é o segundo dos quatro réus a depor no Tribunal do Júri.

"Não foi meu ato que causou tragédia, que tirou a vida desses jovens. Mesmo eu sabendo que sou inocente, para tirar as dores dos pais, me condenem", disse Bonilha.

Ontem, Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, foi ouvido e já havia pedido para ser preso, pois estava "cansado".

Hoje, Bonilha confirmou que comprou o artefato pirotécnico a pedido do sanfoneiro Danilo Jaques, que morreu na tragédia. Ele ainda disse que a boate Kiss estava cheia no dia do incêndio.

"A história da boate Kiss é muito grande. Não posso vir aqui e lhe dizer que a boate não estava cheia, estava cheia, sim. Os jovens não conseguiam deixar as garrafas nas mesas e ficavam com as garrafas no braço, era muito apertado."

O ex-produtor musical presenciou o início do fogo e disse que, ao lançar água em direção às labaredas, as chamas se alastraram. Em seguida, ele viu quando um rapaz pegou um extintor debaixo do bar e deu para o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos, mas o aparelho não funcionou.

"O extintor não tinha o lacre e batia a lata, era chocho [no sentido de parecer vazio]. Depois que começou fogaréu, nós só saímos porque alguém gritou."

Bonilha disse que havia 26 microfones no palco e que outras pessoas —além do vocalista— poderiam ter usado o aparelho para avisar o restante dos frequentadores da casa noturna. Mas um ex-técnico de som disse que àquela altura havia desligado todo o som no palco.

Contou que, ao tentar sair, ouviu outras pessoas pedirem para abrir as portas e acabou caindo ao chão. "Não consegui respirar, coloquei assim [a camiseta nos olhos e boca], e caíram mais pessoas sobre mim. Eu fui arrastado de lá, tenho até hoje marca de unha, de alguém que me tirou."

Bonilha disse que atuou em cerca de 14 shows com a Gurizada Fandangueira e que em nove deles foram utilizados artefatos pirotécnicos. O ex-integrante da banda negou que fosse produtor.

"Eu era roadie. Como eu sou produtor? Se eu não ia em reunião, em ensaios, tinha sessão de fotos e eu não ia, eu não desenhava aquilo que tinha que ser no show. Vocês não sabem a responsabilidade em cima da palavra produtor de palco. É o ajudante da banda."

Após o depoimento, durante o intervalo, a mãe de uma das vítimas gritou: "Assassino", saindo em seguida da sala.

O julgamento

Quase nove anos após a tragédia, quatro réus são julgados por 242 homicídios simples e por 636 tentativas de assassinato —os números levam em conta, respectivamente, os mortos e feridos no incêndio. Devido ao tempo de duração e estrutura envolvida, o júri é considerado o maior da história do Judiciário gaúcho.

Ontem, foram encerrados os depoimentos com sobreviventes e testemunhas. Pela manhã, Na manhã de hoje, foi ouvido o ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer (MDB) que desqualificou a investigação da Polícia Civil ao dizer que o inquérito era "muito ruim" e que foi feito pela imprensa. As declarações do político provocaram a saída dos familiares que acompanhavam o julgamento —uma delas recebeu atendimento médico.

Após Schirmer, prestaram depoimento Geandro Kleber de Vargas Guedes e Fernando Bergoli. Em seguida, passou a ser ouvido o promotor Ricardo Lozza, que disse que não recomendou o uso da espuma na boate Kiss. E, por último, um dos sócios da boate Kiss Elissandro Spohr.

O empresário disse que, inicialmente, ajudou na retirada das pessoas, mas deixou o local ao receber de uma pessoa que ele considerava sua amiga um tapa na cara. Durante o depoimento, Spohr chorou bastante, pediu às famílias desculpas e solicitou para ser preso.

"Isso não deveria ter acontecido, não deveria ter acontecido, eu sei que não deveria ter acontecido. Por que isso ia acontecer na Kiss? Era uma boate boa, onde todo mundo gostava de trabalhar. Eu virei monstro de um dia para outro. E fui preso. E eu sei que morreu gente, eu estava lá, ninguém me falou, eu estava lá."

Com o depoimento de hoje de Bonilha, já chega a 30 o número de pessoas que falaram no julgamento.