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Mulher morre com hepatite fulminante após consumir 'ervas de emagrecimento'

Heloísa Barrense

Do UOL, em São Paulo

04/02/2022 14h21Atualizada em 04/02/2022 19h05

A enfermeira Edmara Silva de Abreu, de 42 anos, morreu na madrugada de ontem em São Paulo após ter sido diagnosticada com uma hepatite fulminante decorrente do consumo de um composto de "ervas para emagrecimento". O produto, vendido em cápsulas, se dizia "natural" e, na composição, continha ervas como chá verde, carqueja e mata verde, substâncias hepatotóxicas (que podem causar danos ao fígado).

De acordo com a prima de Edmara, a professora de educação física Monique de Abreu Saraiva Artecio, 35, a enfermeira era "extremamente saudável" e começou a ter sintomas de enjoo há duas semanas. "Minha prima sempre foi uma pessoa extremamente saudável, ela era enfermeira obstetra e sempre estava tudo certo com a saúde dela. Há duas semanas ela começou a ter ânsia e esse sintoma ficou mais frequente", disse Monique ao UOL.

Edmara, que trabalhava no Hospital e Maternidade Santa Joana, resolveu se consultar com um médico e foi logo internada porque, na ocasião, a equipe desconfiou que se tratava de um problema na vesícula. "Então fizeram exames para saber o que era e deu que ela já estava com uma hepatite fulminante".

Segundo Monique, os médicos ainda realizaram mais testes para saber se a doença era decorrente de um agravamento de leptospirose ou de dengue, que geralmente são os causadores das lesões no fígado, mas os resultados para ambos os casos deram negativo.

"Então pegaram tudo o que tinha de medicamento que ela tinha e levaram para os médicos. Foi quando viram esse frasco de '50 ervas emagrecedor' e perceberam o tanto de coisa que tinha nesse produto". Segundo a prima, Edmara teria comprado o medicamento pela internet. No entanto, a família não sabe desde quando a enfermeira começou a utilizá-lo.

remedio - Reprodução/Shopee - Reprodução/Shopee
Medicamento é vendido online em diversos sites de revenda
Imagem: Reprodução/Shopee

Edmara foi transferida para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), que é referência em casos de hepatite. Ela estava na fila para conseguir um transplante de fígado, passou por um coma induzido e finalmente conseguiu realizar a cirurgia, que levou 12 horas, no sábado (29).

No entanto, o corpo da enfermeira rejeitou o novo órgão e os médicos atestaram a morte cerebral de Edmara na quarta-feira (2). Na madrugada do dia seguinte ela sofreu uma parada cardíaca e morreu.

"Ela confiava no medicamento, até porque ela achou que era natural, está escrito na embalagem que são apenas ervas. Não é nada de tarja preta, nenhum medicamento que aparenta ser perigoso. Ela não tava tomando mais nada, só esse mesmo", relata a prima. "É importante falar disso para que outras famílias não passem pela dor que estamos passando hoje."

Médica faz alerta

A médica assistente no departamento de gastroenterologia na Divisão de Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo no HCFMUSP, Liliana Ducatti, publicou nas redes sociais um alerta a respeito do uso de substâncias que se dizem naturais, mas que podem causar danos agressivos ao corpo. "A hepatite fulminante é uma condição em que a pessoa não tem problema no fígado, tem fígado saudável, ela ingere algum remédio, alguma substância que faz com que esse fígado adoeça gravemente e rapidamente", explicou ela ao UOL.

A doença pode ser causada pelo uso de diversos medicamentos, como antibióticos ou isotretinoína, utilizado no combate a acnes. Por isso, Ducatti afirma que é sempre importante fazer o uso destas substâncias com acompanhamento médico. "Se há sinal de danos ao fígado, a medicação é prontamente interrompida", explica ela.

No caso da hepatite fulminante, os sintomas aparecem quando a lesão já está muito avançada. "Existe uma hepatite aguda que acaba evoluindo para a fulminante, em que o fígado fica sem funcionar".

Ainda, segundo a médica, o frasco de "ervas de emagrecimento" tinha várias substâncias hepatotóxicas. "Sem acompanhamento, o caso evoluiu para hepatite fulminante. A medicação não tem nada de emagrecedora. É uma falsa ilusão. Não são todas as pessoas que irão desenvolver a hepatite fulminante, isso é raro, mas ainda assim é algo grave e evitável. Essa é uma medicação que não emagrece e pode causar danos", explica ela.

A médica relata que as substâncias em questão, como o chá verde, não são necessariamente problemáticas em quantidades pequenas.

"Não estamos falando sobre esse chá que tomamos de vez em quando por prazer, para relaxar, mas o uso deles em grandes quantidades, que podem ser tóxicos para o fígado. Como esse remédio era em cápsulas, a gente nem sabe a real concentração dessas substâncias", relata. "O problema desses remédios ditos naturais é que também não tem como saber a real composição, além de ter esse tanto de erva. Das 50, 10 eram hepatotóxicas."

Para Ducatti o caso de Edmara não é o primeiro - e nem será o último. "Não é frequente, mas já tivemos alguns casos e infelizmente teremos outros. Acaba sendo uma amostra viciada, já que recebemos pacientes do país inteiro. São casos por esses compostos emagrecedores, por tomar esses chás em grande quantidade, que dizem ser de detox... Felizmente, muitos casos são de hepatite aguda e as pessoas conseguem se recuperar a tempo e o fígado se regenera."

A médica ainda faz um alerta para as pessoas que buscam emagrecer:

Nós sabemos que não existe nada milagroso. É um conjunto de mudança do estilo de vida, atividade física, alimentação saudável. Existem médicos muito gabaritados no assunto, endocrinologistas, nutricionistas, profissionais de educação física. Então, sempre é necessário um acompanhamento. Não devemos cair nas falsas ilusões de emagrecimento rápido porque estes medicamentos não emagrecem.

Produto proibido no Brasil

O UOL entrou em contato com a Anvisa, que informou o produto está proibido no país desde 2020, por não estar regularizado como medicamento.

"O produto 50 ervas emagrecedor não pode ser classificado como alimento, ou mesmo como suplemento alimentar, pois contém ingredientes que não são autorizados para o uso em alimentos. Entre estes componentes estão o chapéu de couro, cavalinha, douradinha, salsa parrilha, carobinha, sene, dente de leão, pau ferro, centelha asiática. Essas espécies vegetais tem autorização para uso somente em medicamentos, como fitoterápicos, e não em suplementos alimentares", diz comunicado.

A agência informou que publicou duas medidas que proíbem "a comercialização distribuição, fabricação, propaganda e uso, além da apreensão e inutilização do produto". A primeira medida foi para a empresa Pró-Ervas em 18 de novembro de 2020 e a segunda para o produto 50 Ervas Emagrecedor Forte - Natuviva, em 2 de março de 2021.

"O motivo das proibições foi a comprovada divulgação e comercialização dos produtos sem registro, notificação ou cadastro na Anvisa, fabricados por empresa que não possui Autorização de Funcionamento na Agência para fabricação de medicamentos, em desacordo com os artigos 12, 50 e 59 da Lei nº 6.360/1976", diz comunicado.

A agência ainda afirmou que ações de fiscalização se aplicam "a quaisquer estabelecimentos físicos ou veículos de comunicação, inclusive eletrônicos, que comercializem ou divulguem os produtos" e alerta que "a venda de produtos clandestinos pode ser considerada crime."

A Anvisa ainda emitiu um alerta aos consumidores:

Qualquer produto com propriedades terapêuticas, por exemplo a promessa de emagrecimento, só pode ser comercializado no Brasil com autorização da Anvisa e o comércio só pode acontecer em farmácias ou drogarias, já que substâncias com propriedades terapêuticas são consideradas medicamentos. A Anvisa lembra que produtos sem registro na Agência não oferecem garantia de eficácia, segurança e qualidade exigida para produtos sob vigilância sanitária. Sem esses requisitos mínimos, os produtos irregulares representam um alto risco de dano e ameaça à saúde das pessoas.

"Desconfie de produtos com promessas milagrosas, que prometem emagrecimento fácil ou qualquer outro tipo de ação de tratamento, cura ou prevenção de doenças. Todo produto com ação terapêutica precisa estar regularizado na Anvisa como medicamento", finaliza comunicado.

A reportagem tentou localizar a Pró-Ervas, responsável pela produção do medicamento que é amplamente revendido online em diversas plataformas, mas não encontrou nenhum representante da empresa até o momento. O texto será atualizado quando houver novas informações.