Topo

Esse conteúdo é antigo

Três jovens negros são mortos em ação policial na BA; moradores acusam PMs

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL, em Salvador

01/03/2022 22h12Atualizada em 02/03/2022 16h44

Três jovens negros foram mortos na Gamboa, comunidade às margens da baía de Todos-os-Santos, em Salvador, durante uma ação policial na madrugada desta terça (1º). Segundo a Polícia Militar, agentes foram acionados após denúncia de que homens estariam armados em um estabelecimento comercial e que foram recebidos por disparos ao chegarem ao local. Moradores negam a versão da polícia e dizem que os PMs atiraram sem haver confronto.

Alexandre dos Santos, 20, Cleberson Guimarães, 22, e Patrick Sapucaia, 16, estavam em um bar da região, por volta das 2h. Policiais alegaram que houve troca de tiros e que, após os três serem baleados, foram encontradas armas e drogas com eles.

Familiares e vizinhos das vítimas refutam a versão dos PMs de que foram recebidos a tiros pelo trio. Segundo relatos de pessoas próximas ouvidas pelo UOL, o trio estava bebendo no estabelecimento quando bombas de gás lacrimogêneo teriam sido lançadas na direção deles, antes de serem abordados e conduzidos a um imóvel abandonado e baleados. Eles chegaram a ser socorridos pelos próprios militares para o HGE (Hospital Geral do Estado), mas já chegaram à unidade sem vida.

Procurada pelo UOL, a Polícia Militar respondeu, em nota, que a equipe de Rondas Especiais Baía de Todos-os-Santos foi acionada após ter sido informada sobre a presença de homens armados na área da Gamboa. Na versão do comando da unidade policial, os agentes foram recebidos por disparos de armas de fogo efetuados por um grupo quando faziam incursões.

"Após o revide e posterior progressão no terreno, as equipes encontraram três homens caídos ao solo em posse de armas de fogo e drogas. Já os outros suspeitos conseguiram fugir. Os feridos foram socorridos pela guarnição para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde não resistiram", diz o comunicado.

Alexandre dos Santos, de 20 anos, morto em Salvador, trabalhava como vendedor de roupas por encomenda na comunidade da Gamboa, diz sua mãe - Reprodução/Redes sociais - Reprodução/Redes sociais
Alexandre dos Santos, de 20 anos, morto em Salvador, trabalhava como vendedor de roupas por encomenda na comunidade da Gamboa, diz sua mãe
Imagem: Reprodução/Redes sociais

De acordo com a PM, durante a prestação de socorro, manifestantes jogaram entulhos, obstruíram a pista em ambos os sentidos e hostilizaram as guarnições, que requisitaram reforços. Ainda segundo a corporação, foram apreendidos em posse dos três suspeitos um revólver calibre 38; duas pistolas, sendo uma de calibre .40 e outra de calibre 380; 177 papelotes de maconha; 233 pinos e dez embalagens de cocaína; 130 pedras de crack; três aparelhos celulares; uma balança eletrônica, R$ 172,00 em espécie e um relógio de pulso.

O caso foi registrado na Corregedoria-Geral da PM. O UOL questionou a Secretaria da Segurança Pública da Bahia se a Delegacia de Homicídios da Polícia Civil investigaria o triplo homicídio, mas a secretaria não respondeu: informou que não se manifestaria sobre o assunto.

"Pegaram meu filho para matar"

A auxiliar de vendas Silvana dos Santos, 41, mãe de Alexandre, conta ao UOL que acordou com o barulho de tiros e decidiu sair de casa para ver o que acontecia. Ao saber que Alexandre, o segundo de seus oito filhos, era um dos rapazes baleados pela polícia, ela tentou impedir que ele fosse colocado no porta-malas de uma viatura.

Silvana narra que, nesse momento, ficou sob a mira de uma arma apontada por um PM.

"Meu filho ainda estava vivo, pedia por socorro. Mas apontaram a arma para a minha cabeça, e não tive mais o que fazer", lamentou ela, enquanto se preparava para liberar o corpo do jovem no IML (Instituto Médico Legal) da capital baiana. A mulher acredita que o assassinato não foi uma reação ao acaso, sem planejamento e destaca que os agentes, na ocasião, usavam capuzes para esconder os rostos.

Esses policiais pegaram o meu filho e os outros dois rapazes pra matar. Se não fosse isso, eles não estariam encapuzados.
Silvana dos Santos, mãe de uma das vítimas

Silvana afirma que o filho trabalhava como vendedor de roupas por encomenda na própria comunidade. De acordo com ela, pouco antes de ser morto, o rapaz voltava da casa da namorada e, no caminho, parou para tomar cerveja com Cleberson e Patrick.

Policiais patrulham a comunidade da Gamboa, onde três pessoas foram mortas por PMs - Romildo de Jesus/Futura Press/Estadão Conteúdo - Romildo de Jesus/Futura Press/Estadão Conteúdo
Policiais patrulham a comunidade da Gamboa, em Salvador, onde moradores acusam a Polícia Militar de entrar atirando no local e matar três pessoas
Imagem: Romildo de Jesus/Futura Press/Estadão Conteúdo

Inconformado com a versão apresentada pela PM, um grupo de moradores da Gamboa fez um protesto que durou toda a manhã na avenida Contorno, vizinha à Gamboa. Durante o ato, as duas pistas da via foram fechadas pelos manifestantes, o que causou um longo engarrafamento no local.

"Se não fosse esse protesto, nem o pessoal dos direitos humanos viria aqui para saber o que aconteceu. Ficaria como se fosse a morte de um cachorro. Mas não foi o que aconteceu. A polícia encurralou três meninos que nada deviam. Depois que mataram, eles [os militares] lavaram até a casa lá. Usaram lençóis que estavam em um varal e plantaram armas e drogas, como sempre fazem. Queremos que a justiça seja feita", declarou uma líder comunitária, que optou pelo anonimato por medo de represálias.

Em uma nota assinada conjuntamente, a Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e demais entidades criticam o que veem como mais um caso de execução sumária cometida por forças de segurança do Estado.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 (levantamento mais recente feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados do ano de 2020), 75,3% das vítimas de homicídio no Brasil eram pessoas negras. Entre as pessoas mortas por policiais, 78,9% são pessoas negras.

Na esfera do poder público, não existe uma divulgação transparente de dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais em todo o Brasil. O governo brasileiro também não disponibiliza dados nacionais sobre as investigações e punições de homicídios.

Violência policial é corriqueira na Gamboa, dizem entidades

Leia a íntegra da nota de repúdio divulgada por entidades baianas:

"A Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e entidades abaixo listadas denunciam a operação da polícia militar da Bahia na comunidade pesqueira da Gamboa de Baixo. Foram executados sumariamente pela polícia os jovens: Patrick Sapucaia, Alexandre Santos e Cleberson Guimarães.

A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu.

Os corpos das vítimas foram removidos e o local das execuções foi alterado, impossibilitando, por óbvio, a apuração dos fatos. Além das execuções e tiros aleatórios foram atiradas bombas de gás na Comunidade, de cima da avenida Contorno. A operação não se funda em qualquer mandado de busca e apreensão, como determina a lei!

A Polícia Militar da Bahia é considerada a mais letal do Nordeste e é líder em mortes por chacinas, segundo dados do relatório "A vida resiste: além dos dados da violência", da Rede de Observatórios da Segurança. Esses números reforçam a política do estado de genocídio da população negra.

A Gamboa de Baixo é uma comunidade tradicional do início do século XX, autodeclarada comunidade pesqueira, classificada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS 5 na Lei Municipal no 9069/2016, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. Os (as) moradores e moradoras da comunidade são sujeitos de direitos e merecem respeito!

Uma ação violenta e arbitrária como essa não pode ficar impune! Exigimos o afastamento e responsabilização dos envolvidos. Que o Estado investigue criteriosamente as execuções e todas as demais ilegalidades causadas por seus agentes de segurança contra a comunidade da Gamboa de Baixo nessa madrugada, respeitando o protagonismo das vítimas e seus familiares.

  • Artífices da Ladeira da Conceição da Praia
  • Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa de Baixo
  • Centro Cultural Que Ladeira é Essa?
  • Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho
  • Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB)
  • Coletivo Vila Coração de Maria
  • Grupo de Pesquisa Territorialidade, Direito e Insurgência (UEFS)
  • Grupo Margear- Faculdade de Arquitetura da UFBA
  • SAJU- Serviço de Apoio Jurídico da Faculdade de Direito da UFBA
  • MLB
  • Coletivo Resistência Preta
  • Coletivo Trama
  • Campanha Zeis Já
  • Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador
  • Residência AU+E (FA-UFBA)
  • Grupo de Pesquisa Ecologia Política, Desenvolvimento e Territorialidades (PPGTAS-UCSAL)
  • Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU)
  • Grupo de Pesquisa Territórios em Resistência (PPGTAS-UCSAL)
  • Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)
  • Grupo de Pesquisa Lugar Comum (PPGAU-UFBA)
  • IDEAS - Assessoria Popular
  • CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço
  • GAMBÁ - Grupo Ambientalista da Bahia"