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RJ: Jovem negro é preso por roubo, mas vídeo o mostra em casa, diz família

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

04/03/2022 13h23Atualizada em 04/03/2022 15h05

Caio Telles Guimarães, um jovem negro de 20 anos, foi preso por suspeita de roubo. No entanto, sua família relata que uma câmera de segurança do bairro em que ele vive contradiz a versão da polícia. Os parentes pedem Justiça, denunciando o que apontam como mais um caso de negro sendo preso injustamente, um reflexo do racismo estrutural no estado do Rio de Janeiro e no Brasil.

Caio, que serviu ao Exército no ano passado, foi detido por agentes do Segurança Presente (policiamento de proximidade que complementa a ação da Polícia Militar), no dia 22 de fevereiro, em São Gonçalo (RJ). Segundo as forças de segurança, ele é suspeito do roubo de uma motocicleta. Caio estava na rua onde o veículo foi abandonado e acabou abordado e preso de forma truculenta, relatou a irmã dele em entrevista ao UOL.

Karina Telles Guimarães, 22, disse que a família busca divulgar as imagens de câmeras de segurança, para mostrar que o jovem é inocente. Segundo ela, imagens do circuito externo da casa de um vizinho mostram Caio chegando em casa de madrugada, após uma festa, no dia 22, e deixando a residência, posteriormente, às 13h30 - já depois do roubo. Karina disse que o irmão foi mais uma vítima de racismo.

"Ele estava correndo na rua para ir na casa de uma amigo ajudar com uma mudança. Nisso, ele foi abordado só pelo fato de a moto estar na mesma rua que ele. Ele não tinha nada que comprovasse que ele cometeu o roubo, não tinha a chave da moto nem nada. Estamos arrasados, indignados. Meu irmão não tem como estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ele foi vítima de racismo", disse a irmã.

caio - Arquivo Pessoal e Reprodução de vídeo - Arquivo Pessoal e Reprodução de vídeo
Caio Telles Guimarães, 20, foi preso no RJ
Imagem: Arquivo Pessoal e Reprodução de vídeo

Caio foi apontado como autor do roubo por uma das vítimas, segundo depoimento dela à Polícia Civil.

No entanto, segundo a família imagens de câmeras de segurança mostram o momento que Caio deixa sua residência usando bermuda, chinelo e com a camisa no ombro às 13h30. O GPS do celular dele também indica a distância percorrida pelo jovem entre a casa dele e a rua Gregório de Matos, onde foi preso. As imagens, cedidas ao UOL, foram conseguidas somente após a audiência de custódia que determinou a conversão da prisão em flagrante em preventiva.

A rua Gregório de Mattos, onde o jovem foi preso, fica a um pouco mais de 1 km da rua David Campista, endereço do roubo.
Karina conta que a família soube da prisão por um amigo de Caio.

A vítima do roubo tinha dito aos policiais que não era capaz de fazer o reconhecimento dos assaltantes, mas no depoimento mudou a versão e disse que reconhecia meu irmão. Ele foi preso e transferido para o presídio. Foi preso sem provas. A gente que foi atrás de tudo, das provas. A polícia só mandou prendê-lo, nem nos ouviu. Ficamos sabendo da prisão pelo amigo dele.

O advogado Douglas de Assis, que representa Caio, disse ao UOL que acredita que a vítima tenha se confundido durante o reconhecimento.

Estamos reunindo o máximo de provas possíveis para deixar claro a inocência do Caio, inicialmente é possível perceber que os horários são conflitantes, a vítima afirma em delegacia ter sido roubado as 13h enquanto as câmeras mostram que nesse horário estaria o Caio no interior de sua residência. Estamos confiante que o juízo de origem irá revogar essa prisão descabida, que por certo a vítima se confundiu na hora do reconhecimento.

Procurada, a Polícia Civil disse que o caso é referente a uma prisão em flagrante efetuada pela Polícia Militar, em que o autor foi reconhecido por duas vítimas, e que não se trata de uma investigação com base em um inquérito policial. "Portanto, o delegado agiu dentro da lei e qualquer elemento surgido após a prisão pode ser apresentado pela defesa junto à Justiça", informou a instituição através de nota.

Dinâmica do roubo

Na decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a juíza Mariana Tavares Shu descreveu que o proprietário da moto e um amigo estavam em uma loja de peças para motocicletas, próximo a RJ-104, quando os dois foram abordados por uma dupla de assaltantes - um homem negro e um branco, por volta de 13h. De acordo com o depoimento, um dos assaltantes estava armado com uma pistola vermelha e preta.

A vítima relatou ainda que, após roubarem a moto, os assaltantes foram para o interior do bairro Laranjal, em São Gonçalo. O dono do veículo acionou a PM e informou os dados do GPS da motocicleta que acabou sendo recuperado minutos depois. Ao chegar no local, a vítima diz ter reconhecido Caio Telles como um dos autores do roubo e o identificou como o indivíduo negro que portava a pistola no momento do assalto.

O outro homem preso durante a ocorrência não foi reconhecido pela vítima.

"Os elementos de prova trazidos aos autos são seguros em relação à autoria delitiva (...) Ademais, é evidente que a intenção da vítima é exclusivamente a de apontar o verdadeiro culpado pela ação delituosa que sofreu", destacou a juíza na decisão.

Durante audiência de custódia, Caio relatou ter sido agredido no momento da prisão com dois tapas no rosto e com uso de spray de pimenta, disse à juíza. Segundo ele, as agressões foram cometidas por um soldado que o conduziu até a delegacia. O jovem foi submetido a exame de corpo de delito e afirmou ter marcas das agressões.

Sonho de seguir carreira militar

Ainda segundo a família, Caio serviu o Exército durante um ano e tinha planos de retornar às Forças Armadas. Ao deixar o serviço militar, ele precisou passar por uma cirurgia de emergência devido a uma obstrução do intestino. Segundo a irmã Karina Telles, ao ser preso, os policiais especularam que a cicatriz era referente a remoção de um tiro, que Caio nunca levou.

O jovem é o caçula de quatro irmãos e foi descrito por Karina, que faz um curso de técnica de enfermagem, como uma pessoa tranquila, disciplinada e do bem. Caio também é monitor de música no Colégio Municipal Estephânia de Carvalho.

Caso semelhante

Nesta semana, a Justiça do Rio de Janeiro concedeu liberdade provisória a dois jovens negros presos em Ipanema, na zona sul do Rio, após serem acusados pelo roubo de um celular de turistas maranhenses. Marcos do Nascimento Tavares Carreira, 19, passou dois dias no presídio de Benfica, na zona norte da cidade, e foi solto na última quarta-feira (2).

Familiares e amigos do jovem, que descoloriu o cabelo para o carnaval, afirmaram que ele foi vítima de racismo. Marcos também era monitor de música em uma ONG no Rio, a Liga do Bem, que frequentava desde criança.