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Falso médico negociava diplomas ilegais e se dizia pastor, relatam vítimas

Gerson Lavísio se dizia médico e usava diploma falso - Reprodução/ Facebook
Gerson Lavísio se dizia médico e usava diploma falso Imagem: Reprodução/ Facebook

Simone Machado

Colaboração para UOL, em São José do Rio Preto (SP)

22/03/2022 04h00Atualizada em 22/03/2022 14h53

O falso médico Gerson Lavísio, 32, detido após atender uma vítima de engavetamento na rodovia Presidente Dutra, em Lavrinhas, no interior de São Paulo, na semana passada, já teria adotado outras táticas para tentar aplicar golpes, como fingir ser pastor em uma igreja em Sorocaba, cidade onde mora, e até mesmo negociar diplomas irregulares. Quem denuncia são supostas vítimas que resolveram falar, sob a condição de anonimato, após a repercussão do caso, mas que ainda não procuraram a polícia para registrar as perdas financeiras.

Uma delas é uma moradora de Sorocaba. Ela relatou ao UOL que o conheceu pelas redes sociais. Ela afirma que Gerson se dizia pastor de uma igreja evangélica e a ajudou em um momento difícil da vida, quando ela perdeu um familiar próximo.

"Ele viu minha postagem de luto e passamos a conversar sobre a perda desse meu familiar. Eu estava muito abalada, ele dizia ser pastor e que iria orar por mim", conta a mulher, que pediu para não ter o nome divulgado.

Ainda segundo a vítima, depois de aproximadamente cinco meses de contato virtual, Gerson disse que iria para Moçambique, na África, em uma ação solidária onde ajudaria a população carente daquele país, por isso estava fazendo arrecadação de dinheiro e pediu ajuda financeira.

"Eu achava que ele era uma pessoa de bem, que estava servindo a Deus e ajudei. Primeiro fiz um depósito de quase mil reais, depois de um mês, mais ou menos, ele pediu mais uma contribuição e eu fiz", acrescenta a mulher. "Só na quarta vez que ele pediu, uns três meses depois, que eu neguei. Mas até eu começar a desconfiar eu ajudei com quase R$ 5 mil, no total", lembra a vítima.

Outra mulher de Sorocaba, que também pediu para ter a identidade preservada, relata também ter sido enganada por Gerson e ter tido prejuízo de R$ 2 mil após emprestar o valor para o falso médico pagar o conserto de um carro.

Gerson pastor - Reprodução/ Facebook - Reprodução/ Facebook
Gerson se apresentava como pastor
Imagem: Reprodução/ Facebook

A vítima conta que conheceu Gerson há cerca de 10 anos na academia. Na época, o homem dizia trabalhar em um posto de saúde e estudar para ser pastor.

"Nos últimos anos tivemos uma aproximação depois que eu me divorciei e passei a enfrentar dificuldades. Ele dizia rezar por mim e falava que ia me ajudar a superar essa fase. Criamos uma certa amizade, foi quando ele me pediu dinheiro emprestado para arrumar o carro e eu dei. Cobrei ele após um tempo e ele me bloqueou de todas as redes sociais e do WhatsApp. Acabei deixando a situação de lado com medo do que pode acontecer", relata a vítima.

Venda de diploma

Outra suposta vítima de Gerson é um morador de Osasco. O rapaz, que também pediu para não ter o nome divulgado, relata que conheceu o falso médico pelo Facebook há cerca de quatro anos e passou a ter contato com ele após receber a promessa de que conseguiria um diploma de cuidador de idosos para poder atuar no ramo, e assim, ter melhor condição financeira.

"Ele criou um grupo no WhatsApp e passou a conversar comigo e com outras pessoas prometendo que nos daria um diploma. Além dele tinham outras pessoas que se diziam de faculdades e estariam ajudando no processo", recorda o homem.

Ainda segundo a vítima, ela chegou a viajar até Sorocaba em setembro do ano passado para conhecer Gerson. Foi quando ele foi até o apartamento do falso médico e a desconfiança começou.

"Fiquei alguns dias hospedado no apartamento que ele dizia morar, mas no local não tinham móveis. Só tinha a cama e uma mesa, praticamente. Achei estranho uma pessoa que se dizia médica morar em um imóvel assim. Eu havia pago R$ 2 mil pelo diploma", acrescenta o homem.

"Eu sei que fiz errado, mas estava iludido em busca de uma vida melhor", acrescenta. O documento, segundo a vítima, nunca foi entregue.

A reportagem do UOL tentou falar com Gerson por telefone, porém ele não atendeu as ligações. O espaço segue aberto para manifestação.

Acidente gerou suspeita

Segundo a polícia, o acidente que levou à suspeita do falso médico foi registrado no dia 13, em um engavetamento envolvendo três caminhões em Lavrinhas, a 230 km da capital paulista.

Um motorista de 36 anos ficou com uma perna presa às ferragens e, segundo a Polícia Rodoviária Federal, Gerson teria ordenado que o membro fosse amputado e, graças a uma técnica duvidosa, colegas teriam chamado os agentes ao local. Ao consultarem os documentos do suspeito, os policiais descobriram que ele usava um CRM em nome de outro profissional, já falecido. O falso médico então foi levado à delegacia da Polícia Civil onde prestou depoimento e teria confessado não ser médico e exercer a profissão ilegalmente. Ele foi liberado após o depoimento.

Gerson foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF), que passou a acompanhar o caso.

Após o caso ganhar repercussão, a concessionária CCR RioSP, que administra a rodovia e é responsável pelo serviço de socorro na via, afirmou que o falso médico atuava como funcionário terceirizado e foi desligado logo após a ocorrência.

Impasse

Segundo a Polícia Rodoviária Federal a ordenação por parte do falso médico para a amputação da perna da vítima foi o que levantou a suspeita dos demais colegas. A PRF afirma que o membro teria sido amputado na própria via.

No entanto, cinco dias após o acidente, a versão foi contestada pela concessionária CCR RioSP, que administra a rodovia. No dia 16, ao ser questionada pelo UOL, a empresa disse lamentar o ocorrido e que o falso médico havia sido desligado da Enseg, empresa terceirizada contratada pela concessionária. Na última sexta-feira, cinco dias após o acidente, a companhia emitiu novo comunicado, dessa vez negando a amputação da perna da vítima ainda na rodovia.

"Nenhum procedimento de amputação ocorreu durante o desencarceramento e o atendimento prestado pelo Corpo de Bombeiros e equipe da Enseg, empresa contratada pela concessionária, ou mesmo durante a transferência da vítima ao pronto-socorro de Lorena. A informação de que houve procedimento de amputação no local do acidente está equivocada", diz trecho do comunicado.

A reportagem do UOL também entrou em contato com a Santa Casa de Lorena para onde a vítima foi levada, porém, foi informada que ninguém é autorizado a falar sobre o assunto.

Uma nota do hospital, enviada à imprensa através da CCR Rio SP, explica que a vítima chegou à unidade hospitalar com politraumatismo e diversas lesões nos membros inferiores, mas não deixa clara a amputação.

"A Santa Casa de Lorena informa que o paciente, após passar por uma avaliação multiprofissional pelas equipes de emergência, ortopedia e cirurgia geral, exames de imagem, laboratoriais e medicação, foi encaminhado ao Centro Cirúrgico para a realização de um procedimento de emergência. Qualquer outra informação referente aos procedimentos adotados está inserida no prontuário do paciente não podendo ser divulgada conforme determina a Resolução 1.605/2000, do Conselho Federal de Medicina (CFM)", diz a nota.

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