Fernando de Noronha, Acre, Alasca: dá para saber o preço de um território?
Um cálculo do Governo Federal estipulou em R$ 10 mil o valor patrimonial do arquipélago de Fernando de Noronha. O número chamou a atenção: é possível fazer uma estimativa assim? Por que R$ 10 mil?
O preço aparece no meio da papelada que o governo apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) em 24 de março, quando recorreu no processo que tenta federalizar o território, hoje pertencente a Pernambuco.
Quando viu a cifra, o ministro Ricardo Lewandowski determinou à União que "retifique o valor dado à causa, adequando-o ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico por ela perseguido".
Já o governo de Pernambuco reagiu com ironia: "A população de Fernando de Noronha gostaria que o governo federal tivesse a mesma persistência e celeridade que empenha num processo judicial extemporâneo e que agride a Constituição para fazer cumprir a promessa, divulgada em 2019, de que iria realizar o saneamento básico da ilha".
No processo, os R$ 10 mil foram colocados como valor da causa. Porém, o ministro Ricardo Lewandowski salientou que ela "deve corresponder ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor".
Como o pedido reivindicatório era sobre todo o arquipélago de Fernando de Noronha, a quantia "a toda evidência, não atende comando legal". Por isso, foi solicitada a retificação do valor, o que não aconteceu até agora.
Como assim, R$ 10 mil?
Com R$ 10 mil, é possível comprar dois tipos de motocicleta Honda. Segundo a Tabela Fipe, o modelo Biz 110i de 2016 custa R$ 9.755, enquanto o Pop110i de 2022 vale R$ 9.945. Também daria para comprar 13 cestas básicas em São Paulo — cada uma custa R$ 761,19. Ou duas televisões da Samsung, uma de 43 polegadas, de R$ 3.999,00, e outra de 65 polegadas, de R$ 5.799,00.
O que vale mais? Comprar o arquipélago ou passagens ida e volta para duas pessoas comemorarem o Réveillon em Londres? O valor é quase o mesmo.
Calcular o preço de um território não é uma tarefa simples e, provavelmente por isso, o governo chutou longe.
O professor de arquitetura da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Eber Marzulo observa que é possível, sim, estipular um preço para um território. Determinadas características do local precisam ser consideradas para agregar valor:
- Qual o potencial produtivo da terra
- Está perto de rios ou cursos d'água
- Está perto de estradas
- Tem um solo muito potente
- Tem condições geográficas que a distinguem de outros
- Tem recursos hídricos abundantes
- Tem boa área de pastagem e de produção de proteína animal
"As áreas de melhor infraestrutura e melhor assistidas, com qualidade ambiental, de ar e iluminação valem mais", explica o professor. "Uma terra destinada ao plantio, por exemplo, uma produção de arroz que depende de água, vale mais se tiver uma barragem."
O problema é que determinados locais, como Fernando de Noronha, possuem "valor ambiental" considerado imensurável.
"E porque são imensuráveis e devem ser preservadas? Porque são raras, únicas, podem se transformar em referências para outros espaços, além de, por princípio, ter direito a existência. Possuem práticas culturais e ambientais ou, como podemos dizer, socioambientais. Isso tem uma valoração que não permite precificação", diz Marzulo.
Veja abaixo outros casos de territórios vendidos e quanto custaram.
Acre
Em abril de 1904, entrou em vigor o Tratado de Petrópolis, que pôs fim à disputa entre o Brasil e a Bolívia pela região que hoje é o estado do Acre.
No entanto, até chegar em termos aceitáveis, foram mais de dois anos de conflitos entre seringueiros brasileiros e o Exército boliviano.
Pela área hoje correspondente a 152.581 km², o Brasil precisou desembolsar 2 milhões de libras esterlinas na época (o que corresponderia hoje a cerca de R$ 1 bilhão). Também teve que construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para facilitar o escoamento das exportações do país vizinho, além de ceder uma área de 2.200 km² para a Bolívia.
Porém, quando a anexação completou 100 anos, o então chefe do departamento de história da Ufac (Universidade Federal do Acre), Gérson Albuquerque, pôs em xeque o pagamento do valor, em entrevista à Folha. Segundo o pesquisador, o Brasil nunca pagou a dívida.
Lousiana
No século 19, os Estados Unidos adquiriram os territórios que hoje são a Louisiana e o Alasca. As duas anexações ocorreram em anos diferentes.
A compra da Louisiana ocorreu em abril de 1803. Na época, ocorreram longas negociações com a Primeira República Francesa, que buscava evitar uma aliança entre os americanos e a Grã-Bretanha.
O território de cerca 2,1 milhões de quilômetros quadrados foi arrematado por US$ 15 milhões, o que equivale a cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,4 bilhão), segundo cálculos da BBC em 2017.
Alasca
Já a aquisição do Alasca ocorreu em 1867. Na época, o então secretário de Estado, William Seward, responsável pelo negócio, virou motivo de chacota. Chamado de "geladeira do Tio Sam" ou "jardim dos ursos do presidente", o território era considerado uma imensidão isolada que não parecia ter utilidade econômica alguma.
Na época, as negociações duraram quatro dias. Pelo território foram desembolsados US$ 7,2 milhões, o que seria cerca de R$ 341 milhões na conversão de hoje. O valor foi considerado uma pechincha já que cada metro quadrado custou US$ 4,74.
A compra dos mais de mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, que pertenciam a Rússia, se mostrou um dos negócios mais rentáveis da história.
Menos de 20 anos depois do negócio ser fechado, foram descobertas jazidas de ouro na região. Além disso, em meados do século 20, petroleiras encontraram enormes reservas no norte do Estado que, desde então, têm sido exploradas de maneira intensa e rendem milhares de dólares.
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