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Juiz vê indícios de morte violenta e decreta preventiva de cônsul alemão

Walter Henri Maximillen Biot e o cônsul da Alemanha Uwe Herbert Hahn eram casados havia mais de 20 anos - Reprodução
Walter Henri Maximillen Biot e o cônsul da Alemanha Uwe Herbert Hahn eram casados havia mais de 20 anos Imagem: Reprodução

Tiago Minervino

Colaboração para o UOL, em Maceió

07/08/2022 19h24Atualizada em 07/08/2022 20h18

O juiz Rafael de Almeida Rezende, da Central de Audiência de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro, converteu na tarde de hoje em preventiva (por período indeterminado) a prisão em flagrante do cônsul alemão Uwe Herbert Hahn. Ele foi detido ontem por suspeita de envolvimento na morte do marido, o belga Maximillen Biot, ocorrida na última sexta-feira (5), no apartamento em que o casal vivia em Ipanema.

Em sua decisão, o juiz destacou que o laudo pericial realizado em exame de necropsia "atestou a existência de indícios de lesões no corpo da vítima decorrentes de ação contundente" e apontou que o crime é compatível com "dinâmica de morte violenta". O magistrado salientou que a vítima pode ter sido submetida a "intenso sofrimento físico" não apenas no dia em que foi morto, mas, também, "em momento anterior".

"Os indícios de diversas lesões no corpo da vítima decorrentes de ação contundente, sendo uma delas compatível com pisadura e a outra com o emprego de instrumento cilíndrico (supostamente um bastão de madeira), bem como da perícia local, que detectou espargimento de sangue no imóvel [...] Destaca-se que, de acordo com o laudo de exame de necropsia, a vítima apresentava diversas lesões recentes e antigas espalhadas pelo corpo, o que sugere que tenha sido submetida a intenso sofrimento físico tanto na data do óbito quanto em momento anterior", disse ao magistrado ao converter a prisão em preventiva, por ver gravidade em concreto delito que "justifica" a prisão cautelar.

Rezende alegou que a soltura do cônsul pode atrapalhar as investigações e, portanto, manteve a prisão do alemão inclusive para evitar a possibilidade de fuga do suspeito.

"A liberdade nesta fase processual poderia acarretar sérios gravames à colheita das provas necessárias ao julgamento da demanda, sobretudo diante da probabilidade de vir a influenciar negativamente o depoimento das testemunhas", complementou.

O magistrado ressaltou ainda que foi realizada uma limpeza no apartamento do casal antes da realização da perícia, "fato que, por si só, demonstra que a liberdade do custodiado poderia acarretar sérios gravames à colheita de provas necessárias".

Por fim, Rafael de Almeida Rezende indeferiu pedido da defesa para que houvesse o relaxamento da prisão sob a alegação de imunidade consular e apontou que essa justificativa não se aplica ao caso, pois a prisão em flagrante do cônsul e o local em que o crime aconteceu situam-se fora do ambiente consular, além de não guardar "qualquer relação com as funções consulares".

"Diferentemente dos agentes diplomáticos, os agentes consulares podem ser presos em flagrante de delito ou preventivamente, excetuadas as hipóteses de crimes praticados no exercício das funções, que estariam cobertos pela imunidade", proferiu o magistrado.

Cônsul diz que marido surtou e caiu

Em depoimento à Polícia Civil, o cônsul alemão Uew Herbert Hahn disse que seu marido, Walter Henri Maximilien, teve um surto e caiu antes de morrer. As autoridades trabalham com a possibilidade de homicídio.

Ao UOL, a Polícia Civil afirmou que a versão apresentada pelo cônsul de que o marido havia passado mal e batido a cabeça após um tropeço está na contramão do que indicam as conclusões do laudo pericial. Laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que o belga tem mais de 30 lesões espalhadas pelo corpo.

Em termo de declaração à polícia, obtido pela reportagem, o cônsul diz que os dois eram casados havia 23 anos e viviam no Brasil havia quatro. Segundo ele, Biot nunca trabalhou, mas tinha passaporte diplomático.

Em maio, Hahn disse ter tomado conhecimento de que teria que se mudar para o Haiti em razão do trabalho —ele diz que é obrigado a mudar de país a cada quatro anos em razão de "questões diplomáticas".

Segundo a versão, o marido teria ficado feliz com a notícia, mas há cerca de um mês, estaria nervoso e angustiado com a organização da mudança e começou a beber de forma excessiva e a tomar remédios "de forma desordenada".

O alemão diz que o companheiro passou a ter "reações irracionais", como dormir demais, acordar durante as madrugadas gritando, tendo pesadelos frequentes, caindo da cama e tropeçando nas mobílias.

O cônsul diz que na madrugada de sexta-feira (5) o marido teve uma diarreia intensa a ponto de sujar todo imóvel. Por volta das 11h, o belga saiu para passear com o cachorro com as roupas sujas, sem se alimentar, "completamente em desalinho".

Hahn disse estar trabalhando na sala do apartamento, em home office, quando pediu que o marido tomasse banho e, logo em seguida, o ouviu gritando palavras desconexas no banheiro e correu para ajudá-lo.

Segundo ele, o companheiro gritava desesperadamente, tremia e estava com os olhos arregalados, "como se estivesse em surto". O cônsul diz que tentou acalmar o marido, desligou o chuveiro, o secou, o ajudou a se vestir e retornou ao trabalho.

O belga teria ido então ao encontro dele na sala e os dois beberam champanhe. Biot teria se sentido cansado e foi dormir.

'Começou a gritar e correr'

Por volta das 17h de sexta-feira, o alemão contou ter acordado o marido e o convencido a se alimentar e a tomar um suco. Enquanto preparava uma massa na cozinha, o cônsul diz ter retornado à sala, para fumar no sofá.

Segundo ele, de forma repentina, o marido teve um surto, levantou-se, começou a gritar e correu apressadamente em direção ao terraço. O cônsul diz acreditar que Biot tenha tropeçado no carpete e caído com o rosto no chão.

"Que permaneceu caído emitindo gemidos. Que não sabe informar se estava gemendo de dor ou se eram gemidos desconexos", diz um trecho do termo de declaração.

A defesa do cônsul entrou com habeas corpus na Justiça, alegando que a prisão é ilegal porque não houve flagrante e teria havido desrespeito à imunidade diplomática, mas a juíza Maria Izabel Pieranti entendeu que não caberia ao plantão judicial decidir sobre a soltura do investigado e que isso deveria ser feito em audiência de custódia.

A Embaixada e o Consulado-geral da Alemanha informaram que não vão se pronunciar e aguardam o fim das investigações em curso.