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Padrasto e enteada são alvos de racismo após usarem trajes da Oktoberfest

Servidor público Márcio Souza Correa, 44, e enteada Penélope, 12, foram atacados após gravarem vídeo para as redes sociais - TikTok/reprodução
Servidor público Márcio Souza Correa, 44, e enteada Penélope, 12, foram atacados após gravarem vídeo para as redes sociais Imagem: TikTok/reprodução

Luan Martendal

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

11/10/2022 20h52Atualizada em 11/10/2022 20h52

O servidor público Márcio Souza Correa, 44, e a enteada Penélope, 12, foram alvos de racismo após publicarem um vídeo na internet usando trajes típicos alemães durante a Oktoberfest, em Blumenau (SC).

A gravação foi feita pela família no sábado enquanto participavam dos desfiles da maior festa popular da cidade e também a principal celebração da cultura germânica nas Américas.

Nascido e criado na cidade do Vale do Itajaí (SC), Márcio participa anualmente da festa — que reúne cerca de 600 mil pessoas durante todo o mês de outubro — e jamais vivenciou preconceito de forma tão direta como o enfrentado neste final de semana.

"O sentimento que eu tenho é que quiseram nos desapropriar daquilo que é um direito nosso. Eu sou nascido e criado aqui na cidade, que, tem, sim, colonização alemã, mas que eu também faço parte. Já notei o racismo velado, olhares que são corriqueiros, mas dessa forma direta, de pessoas falando que não pertenço a determinada cultura, é a primeira vez que enfrento", afirma Márcio.

Segundo a vítima, que trabalha na prefeitura da cidade, ele, a enteada, seus irmãos e alguns amigos que também são negros foram para a festa no sábado vestidos com os trajes típicos Fritz e Frida, dois símbolos da Oktoberfest.

Acostumada a postar vídeos no TikTok, a namorada de Márcio postou o registro familiar com hashtags comuns em publicações virais que mostram diferentes transformações das pessoas em uma fração de segundos. No caso de Márcio e Penélope, a transição de cenário e de roupa era o diferencial

O que era para ser uma publicação corriqueira se transformou em crime, quando diferentes perfis passaram a atacar os dois. "Nós verificamos que a publicação estava carregada de comentários na segunda-feira e a grande maioria (das postagens) era questionando como dois negros estavam usando traje típico alemão, perguntando se a festa era na Bahia, e ofendendo o povo africano e do Nordeste", conta Márcio.

Dentre as mensagens deixadas no vídeo estavam comentários como "é branco querendo ser preto e preto querendo ser branco", "pasmem!!! Tem preto no Sul", "Oktoberfest em Wakanda", "german black", "também tá tendo (Oktoberfest) aí na Bahia", "achei que ia só branco (na festa)", e "a festa é no Nordeste também?".

Ainda assimilando toda repercussão do caso, o servidor público conta que fez uma denúncia e boletim de ocorrência pelo crime de racismo, que deve ser investigado por uma equipe especializada em crimes virtuais.

Pelo fato de as pessoas se esconderem por trás de um perfil na rede e acharem que são invisíveis, faz com que se achem no direito de falar o que querem. Mas eu não vou me esconder, não fiz nada de errado e não tenho do que me envergonhar.
Márcio Souza Correa, servidor público

Prefeitura repudia ataques

O caso de racismo também fez com que a família recebesse apoios e fosse convidada a participar do tradicional desfile da Oktoberfest durante o feriado desta quarta-feira (12), com trajes de Fritz e Frida. Eles aceitaram o convite.

Outras pessoas negras aproveitaram para parabenizar a atitude da família e relatar que agora também se sentem encorajadas em usar as roupas típicas da festa, o que não faziam por medo de represália. "Meu sonho desde pequena é ir nessa festa e usar essa roupa, mas, como eu sou preta, morro de medo", dizia um dos comentários na publicação do vídeo.

A Prefeitura de Blumenau emitiu uma nota oficial repudiando o episódio de racismo e reafirmando que a 37ª Oktoberfest é uma festa para todos. Leia a íntegra da manifestação:

"A Organização da 37ª Oktoberfest repudia qualquer tipo de discriminação seja por raça, gênero, orientação sexual, religião, ideologia, origem étnica ou diversidade. Acreditamos ainda que a festa seja um lugar de confraternização, alegria e respeito, que não tem cor. [...] A Organização da festa destaca que a Oktoberfest está aberta aos turistas e visitantes, buscando receber todos da melhor maneira possível. Com isso, atitudes racistas ou de qualquer outra natureza discriminatória não são bem-vindas e devem ser punidas dentro da lei".

O prefeito de Blumenau, Mário Hildebrandt, também publicou um vídeo ao lado de sua filha e com a participação de Márcio e Penélope. Na gravação, ambos refazem a 'trend' do TikTok em que transformam suas roupas comuns nos trajes típicos da festa alemã.

"Hoje, ao lado da minha filha Ester, que já passou por isso, estamos aqui para falar de um assunto muito sério dos ataques e o racismo que o Márcio e a Penélope sofreram. Eu peço respeito e solidariedade para todos que, assim como eles, estão passando por situações como essa. A Oktoberfest é para todos e não tem cor", afirmou o prefeito.

"Somos negros, somos blumenauenses e amamos a Oktoberfest. As pessoas não têm direito de usar essa rede para nos atacar, nos ferir e nos machucar", finalizou Márcio Souza Correa.