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'Futuro interrompido pelo ódio': mãe lamenta morte de criança em Aracruz

Vinícius Rangel

Colaboração para o UOL, em Curitiba

27/11/2022 11h37

Horas após o enterro da filha de 12 anos, morta no ataque a duas escolas em Aracruz (ES), a mãe dela escreveu uma carta aberta em que lamenta não pode ver o que a menina poderia se tornar. "Jamais verei do que ela seria capaz", afirmou.

"Ela estava se tornando uma mulher poderosa, alma livre, feminina. A promessa de uma vida inteira foi desfeita. Todo um futuro interrompido. A custo do ódio, do desamor, do terror. Não venho aqui clamar por retaliação, pois de ódio, estou farta", desabafou. "Escrevo, pois não tenho mais voz para falar, não tenho mais lágrimas para chorar."

A menina estudava no 6º ano do colégio particular Centro Educacional Praia de Coqueiral. A escola foi invadida por um atirador de 16 anos, na última manhã da última sexta-feira (25). Atingida por disparos de um revólver calibre 38, a aluna morreu na hora. O centro educacional foi o segundo alvo do ataque, que começou na escola Primo Bitti.

Ataque escola ES - mapa -  -

Além da estudante, três professoras morreram e 12 ficaram feridas no ataque. O atirador, que tentou esconder os vestígios do crime, foi apreendido no dia da ação, quando estava com os pais na casa de praia da família.

"Clamo por piedade e por segurança para nossas crianças serem as milhões de pequenas revoluções que elas poderiam ser. Segurança nas escolas, ruas, casas", disse a mãe, que escreveu a carta no computador do quarto da filha.

Em seu perfil no Instagram, a mãe da vítima publicou uma foto que mostra desenhos, lápis, papéis e canetas da menina que, diz ela, adorava desenhar e pintar no quarto, que ainda reflete "a bagunça de uma mente criativa".

"Até as suas paredes eram todas manchadas de tinta. Não tinha nada que mais amava do que criar. Histórias, mundos, ilustrações, personagens", contou a mãe. Em uma outra publicação, exibiu os certificados de honra ao mérito da menina pelas notas 10 em todas as disciplinas na escola.

Leia a carta na íntegra:

Escrevo este texto do computador e quarto de minha filha S., que agora amargam sua ausência. Escrevo, pois não tenho mais voz para falar, não tenho mais lágrimas para chorar.

O lamento, a dor e angústia que estavam no meu peito antes, agora, começam a dar lugar ao sentimento de entendimento, aceitação e saudade.

Sentada em meio ao pequeno caos criativo que era seu quarto, encontrei um texto que falou tão profundamente em meu coração que não consigo deixar de compartilhar com vocês, que tanto estão nos dando forças neste momento. O texto dizia:

"Vai ter um dia em que o mundo inteiro vai estar do seu lado, e esse dia é hoje. Eu esperei minha vida inteira. E tudo está bem. Completei meus 11 anos e tinha voltado ao bairro e a escola que cresci depois de dois anos em São Mateus (ES), e eu disse: Vai um dia que o mundo inteiro vai estar do seu lado, e esse dia está próximo."

Realmente o dia estava próximo para minha filha. Havia 1 mês e cinco dias que ela havia completado 12 anos. O dia de sua morte, dia 25/11, foi também o dia do aniversário de meu pai, e seu avô Jose. Dia 01/12 será aniversario de seu outro avô, Laudérico. Daqui a trinta dias será Natal. Minha filha não verá os próximos jogos da copa do mundo e nunca mais se empolgará com um gol como aquele do Richarlyson, que ela achou "incrível".

Jamais verei do que ela seria capaz. Ela estava se tornando uma mulher poderosa, alma livre, feminina. A promessa de uma vida inteira foi desfeita. Todo um futuro interrompido. A custo do ódio, do desamor, do terror. Não venho aqui clamar por retaliação, pois de ódio, estou farta.

Clamo por piedade e por segurança para nossas crianças serem as milhões de pequenas revoluções que elas poderiam ser. Segurança nas escolas, ruas, casas. Abrigadas e protegidas de todos os desterros do mundo. Longe da violência, drogas, armas e abusos.

Que a partida da S. seja o início de uma nova revolução, assim como ela gostava, mas uma revolução baseada no amor e segurança para nossas crianças de todas as etnias, regionalidade, classe social e crença.

Esse é um lamento e um grito de uma mãe que padece com a perda de uma filha. Peço que nos mandem orações, amor, energias boas, seja qual for sua crença. Que o mundo se una pela S., assim como ela escreveu em seu texto, e por tantas outras S. pelo mundo.