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'Investigação precisa chegar a Bolsonaro', diz ministra sobre yanomamis

Garimpo ilegal dentro da terra indígena Yanomami, em Roraima, em 2020 Imagem: Chico Batata - 2020/Greenpeace

Fabíola Perez

Do UOL, em São Paulo

20/02/2023 04h00

Um mês após a primeira convocação do presidente Lula para intervenção na crise humanitária que avançou na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, afirmou, em entrevista ao UOL, que é preciso combater o garimpo ilegal "pela raiz", investigando financiadores e políticos envolvidos.

Com certeza teve a conivência do governo Bolsonaro. Não é possível que a atividade tenha se estruturado tão bem assim. Bolsonaro sempre demonstrou afeto pela atividade garimpeira. [A investigação] precisa chegar a ele."
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas

Desde o dia 20 de janeiro, uma força-tarefa, que inclui ações sanitárias, de saúde e de retirada dos garimpeiros, foi criada pelo governo federal para atender a indígenas yanomamia. Um decreto presencial instituiu o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária para o enfrentamento de problemas sociais e de saúde no prazo de 45 dias.

Sonia Guajajara sobrevoou a Terra Indígena Yanomami em fevereiro Imagem: Divulgação

Em março, segundo Guajajara, a prioridade será a reforma das estruturas de atendimento de saúde, como o hospital de campanha de Surucucu e a continuidade das ações de retirada de garimpeiros.

"Estamos num momento de construção do hospital dentro da base de Surucuru, os materiais já começaram a ser transportados. É para começar [a funcionar] em 15 dias", observa a ministra.

Guajajara também cobrou rapidez nas investigações e responsabilização de garimpeiros. "Nenhum garimpeiro foi indiciado. Apresentamos a denúncia para a Polícia Federal, mas não temos a conclusão da investigação", diz.

É preciso maior celeridade nessas investigações e operações. Enquanto se demora, essas vidas continuam sendo ameaçadas e perdidas. Quanto mais se demora, mas aumentam os conflitos e as possibilidades confronto."

Saúde

De acordo com dados do Ministério da Saúde:

  • Entre os dias 1º de janeiro e 15 de fevereiro foram realizados 390 atendimentos de indígenas;
  • Destes, 246 ocorreram após a decretação do estado de calamidade pública;
  • Do total, foram concedidas 153 altas;
  • Foram 50 casos de desnutrição, 41 de pneumonia, 23 de diarreia aguda e 25 de malária;
  • Mais de quatro em cada 10 indígenas atendidos na Casai (Casa de Saúde Indígena) tiveram um tempo de estadia superior a 15 dias;
  • A Força Nacional do SUS realizou 1.764 atendimentos nos polos base desde o dia 31 de janeiro.

A ministra dos Povos Indígenas afirma que havia, em média, quatro crianças morrendo por dia em território Yanomami. Depois, passaram para sete óbitos a cada três dias - ou seja, ao menos duas mortes por dia. "Agora houve uma redução, não estamos mais notificando óbitos diariamente. Mas o ideal é que não tivesse mais nenhuma morte."

Médica pediatra Bruna Farias, da Força Nacional do SUS, atende criança yanomami da região do Surucucu Imagem: Vinicius Sassine/Folhapress

De acordo com o Ministério da Saúde, os dados citados pela ministra foram obtidos em conversa com a população Yanomami em visita a Roraima. "Por uma questão de critérios de registro e validação de estatísticas, esses índices ainda não constam nos dados oficiais do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami que faz um trabalho de coleta, registro e validação de dados", disse a pasta.

O governo tem de recuperar a atenção básica, a estrutura dos postos de saúde, destinar pistas de pouso ao atendimento e recompor o quadro de profissionais. Além disso, retomar medidas contra a malária e a desnutrição e trabalhar para que as bases econômicas dos indígenas, de caça e pesca, voltem a ficar ativas."
Luís Ventura, secretário-adjunto do Cimi (Conselho Indigenista Missionário)

Investigações de financiadores e políticos

As investigações policiais precisam chegar aos financiadores do garimpo. "Já estamos tendo alguns resultados. Há indícios de que a classe política de Roraima está ligada ao garimpo", afirma Ventura.

No dia 10 de janeiro, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra lavagem de dinheiro oriundo de ouro ilegal e, entre os alvos, estava a irmã do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), Vanda Garcia de Almeida.

Crimes cometidos contra indígenas em terra Yanomami também devem ser investigados. "Há mensagens pedindo que eles não sejam punidos, mas crimes como exploração sexual, ameaças e até mortes não podem ficar impunes. As polícias precisam de um trabalho de inteligência para responsabilizar as pessoas certas."

Segundo a ministra Guajajara, enquanto as investigações não chegarem aos financiadores a crise Yanomami não será resolvida.

Ministra Guajajara defende que investigação em Terra Yanomami chegue a Bolsonaro Imagem: Reuters

Também na esfera política, a escolha do senador Chico Rodrigues (PSB-RR) para presidir a comissão externa temporária do Senado para apurar a crise na terra Yanomami foi equivocada, segundo Guajajara. "O Senado colocou alguém que protege os aliados do garimpo, ele não vai se posicionar contra a atividade. A escolha dele é mais uma vez uma tentativa de garantir a lisura dessa atividade catastrófica."

Retirada de garimpeiros, fiscalização e segurança

A saída dos garimpeiros é outra frente do plano do governo para acabar com o garimpo ilegal em terra Yanomami. Mas, a fuga de grupos para municípios, vilarejos e terras indígenas vizinhas preocupa autoridades.

Ibama apreende e queima maquinário usado pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami Imagem: IBAMA / AFP

Há uma necessidade urgente de se ampliar o atendimento e fiscalizar melhor a região do alto do Rio Negro, por onde os garimpeiros estão saindo e chegando no Amazonas. Recebemos cartas das comunidades e pedimos para reforçar a fiscalização."
Sônia Guajajara

Uma das formas de manter a segurança na região é manter o controle do acesso ao território e ampliar a segurança nas aldeias. "O monitoramento dos deslocamentos precisa continuar por parte do governo. A presença do Estado é necessária para saber quem está entrando ou saindo das aldeias e isso deve ser feito a partir do diálogo com as comunidades indígenas que tem os pontos de conflito mapeados", diz Ventura, do Cimi.

Próximas ações

Manter a atuação emergencial, mas dar continuidade as investigações dos crimes contra a vida dos indígenas e com foco na retirada dos garimpeiros. Essas políticas devem estar na mira do governo, segundo Ventura, do Cimi.

A ministra Guajajara relata que ficou surpresa com a extensão da exploração ilegal do território yanomami quando sobrevoou a região. "Não dá mais para separar o que é garimpo do que é aldeia, é uma ameaça total".

Segundo ela, as primeiras ações demonstraram o risco de extinção dos Yanomami. "O problema foi colocado aos olhos do mundo, foi muito importante garantir esse conjunto de ações. Agora vamos resgatar políticas que estavam paralisadas."

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