Sem saída, garimpeiros se espalham por cidades vizinhas à Terra Yanomami
Percorrer quilômetros de mata adentro para atravessar a Terra Yanomami se tornou a rotina de garimpeiros ilegais obrigados a deixar a região. O objetivo é chegar às pequenas cidades próximas a Boa Vista, capital de Roraima.
A rota de fuga desses grupos inclui os municípios de Mucajaí, Alto Alegre, Amajari e Iracema. Vilarejos como a Vila Campos Novos, a Vila Samauma e a Vila Trairão também estão entre os principais destinos de quem sai das áreas do garimpo ilegal.
Garimpeiros relatam as dificuldades enfrentadas nas longas caminhadas rumo a outras cidades. Um deles recomenda, por meio de áudio enviado por Whatsapp, que o grupo permaneça unido para que consiga transportar alimentos.
Morreram na varação [caminhada pela floresta] porque foram acabando as coisas, já não podiam carregar e foram deixando para trás. Ficou muita gente para trás e não podiam fazer nada. É triste uma coisa dessas
Garimpeiro em grupo de Whatsapp
As cidades que estão recebendo o fluxo de garimpeiros em fuga possuem uma estrutura logística que permite a extração ilegal do ouro. Mucajaí, que possui um vasto território yanomami, se tornou um dos municípios que mais tem recebido garimpeiros.
Para se ter ideia, com pouco mais de 18 mil habitantes, a cidade possui 39 pistas de voos clandestinos, segundo o MapBiomas. Alto Alegre tem 34, Amajari, 16 e Boa Vista, 10. As vilas não têm identificação de pistas, segundo o levantamento.
Vila Samauma também passou a ser citada como destino dessa mão de obra após a intensificação das operações do Ibama, da Funai e da Polícia Federal. O vilarejo é considerado um "hub logístico" do garimpo por oferecer serviços clandestinos de hospedagem para pilotos. Esses profissionais pernoitam nos estabelecimentos para fazer diversos voos em único dia. O UOL entrou em contato com um hotel de Mucajaí que disse estar lotado.
Esses grupos buscam regiões onde têm menos chances de serem abordados pelas operações policiais. "Há uma preocupação de que esses garimpeiros retornem para o território yanomami daqui um tempo, uma vez que considerem que as operações e os riscos diminuíram, e que o apoio logístico volte a encorpar", afirma Luís Ventura, secretário-adjunto do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Para quem não tem dinheiro nem ouro, a varação
A saída dos garimpeiros tem ocorrido de três formas: por embarcações, helicópteros ou a pé. "Eles andam por vários lugares levando maquinários, combustível, comida. Então, é comum vê-los nas estradas do interior com esses equipamentos", afirma Marina Sousa, antropóloga da Unicamp, que vive em Roraima.
Alguns ainda tentam recorrer aos voos cujo preço da passagem explodiu nos últimos dias.
Estão cobrando 20 gramas [cerca de R$ 6.000] a passagem de avião, acredita? E estou com duas gramas [sic] no bolso só. Mas vou dar um jeito
Garimpeiro em grupo de Whatsapp
Outros descem o rio Uraricoera com embarcações. Mas, segundo Carine Farias, a presidente da Agirr (Associação de Garimpeiros Independentes de Roraima), o meio fluvial também não é adequado. Ela teria recebido relatos de um uma canoa alagou em função do excesso de pessoas transportadas.
Os que não tem dinheiro nem ouro não têm escolha e fazem os trajetos a pé. Muitas vezes, as viagens que começam com máquinas, equipamentos e alimentos terminam somente com a roupa do corpo.
Minha família quase toda está dentro desses matos, espalhada. Em todo lugar desses matos tem um meu. A maioria dessas pessoas, que tão fazendo varação, é porque não tem ouro nem dinheiro pra vim embora
Familiar de um garimpeiro em um grupo nas redes sociais
A mulher se queixa da falta de condições logísticas para os exploradores de ouro deixarem o território. "Esses canoeiros, essas pessoas que já andaram tanto pagando, indo e vindo, todas as pessoas que estão aí dentro, podia tocar no coração. 'Rapaz, não tem dinheiro? Sobe bem aqui. Deixa eu tirar'. A maioria que está aí é pai de família e esse negócio pegou muito despreparado as pessoas. Tem deles que não tem como sair de dentro mesmo. Por isso estão andando nesses caminhos doido aí, se arriscando."
Além das cidades mais próximas da Terra Yanomami, a rota de fuga desses grupos inclui outros estados, como Pará, e até mesmo países vizinhos, como Guiana, Suriname e Venezuela. Nas redes sociais, alguns planejam tirar passaportes para garimpar no exterior.
Tensão nas cidades
O clima em Boa Vista e nas cidades ao redor da capital é de tensão com a chegada dos garimpeiros. Há um temor entre as populações de que aumentem os conflitos internos, uma vez que a atividade envolve tráfico de drogas e milícias, e de que as operações contra o garimpo ilegal afetem as contas do estado.
"Algumas pessoas acreditam que a economia do estado vai quebrar, prestadores de serviços que têm clientes garimpeiros dizem que vão perder dinheiro", diz a antropóloga Marina. "Mas, o estado vive de prestação de serviços, servidores públicos e agricultura. O grosso do dinheiro de garimpo não passa por aqui."
Esses municípios se desenvolveram nas margens da BR-174, que liga Manaus, no Amazonas, a capital roraimense. "São cidades pequenos com sedes, lotes rurais, área de preservação de mata nativa e terra indígena", afirma Marina. "Muitos garimpeiros ganham dinheiro, vão para essas cidades e abrem um negócio. É comum chegar nesses municípios e vilas rurais e encontrar donos de supermercados, lotes rurais e farmácia, que eram ex-garimpeiros."
Segundo a presidente da Agirr, os garimpeiros que saíram da Terra Yanomami estão buscando esses municípios para voltar para casa. "Não podemos ficar na Terra Yanomami, nem voltar para casa. Eles estão indo para casa, saíram das regiões de garimpo e estão indo para casa, as cidades vão encher. A crise ainda está no começo", afirmou Carine.
Invasão de outras terras indígenas
A saída massiva de garimpeiros da terra Yanomami acendeu um alerta para o risco de invasões a outras áreas indígenas do norte do país. "Há preocupação de que aumente a pressão sobre esses territórios, mas, ao mesmo tempo, são regiões já conflagradas por conflitos, existem grupos estabelecidos tocando a exploração ilegal", afirma Luísa Molina, antropóloga do Instituto Socioambiental que pesquisa o avanço do garimpo em terras indígenas na Amazônia".
No Pará, na margem direita do Rio Tapajós, há uma preocupação de que garimpeiros possam chegar na terra Indígena Sawré Muybu ou mesmo na terra indígena Munduruku, tradicionalmente ocupada pelos Munduruku. Já em território Kayapó, no mesmo estado, há um fluxo de pessoas que saíram de lá para garimpar em Roraima e agora poderiam voltar.
Outra ameaça é o contato de garimpeiros com povos isolados. "É um risco real e grave. São indígenas que por não ter contato são socioepidemicamente vulneráveis e o contato com garimpeiros pode trazer doenças e dizimar grupos inteiros"afirma Juliana de Paula Batista, advogada do ISA.
O UOL entrou em contato com a Funai e o Ibama, que coordenam as ações de fiscalização em Terra Yanomami, para saber se as operações semelhantes incluirão cidades do interior de Roraima, mas não obteve retorno.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.