'Tenho que sair, mas queria ficar': a remoção de moradores na Vila Sahy
A angústia da empregada doméstica Joana D'Arc Teixeira da Silva Santos, 47, reflete o medo e a expectativa pelo que ainda vem pela frente após perder parte da casa em que vivia com a família após a inundação de água e lama que assolou a Vila Sahy, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo.
Vou ser bem sincera, tenho que sair, mas queria ficar. Queria ficar em segurança, mas segurança é uma coisa que ninguém tem mais. Ver um morro daquele tamanho rachado ao meio não é ter segurança
Joana
Ela e o marido, Naldo Santos, 45, viviam em um sobrado na rua conhecida como "a rua zero" na vila. Depois da chuva, a parte de baixo da casa se transformou em lama e a parte de cima se encheu de água, comprometendo os móveis. Assim como parte dos moradores da vila, o casal não quer sair da casa, que passaram os últimos 15 anos trabalhando para pagar.
Remoção emergencial e definitiva
O início do processo de remoção dos moradores de diversos locais de São Sebastião tem preocupado as pessoas que perderam quase tudo com a tragédia. Após liminar (decisão provisória) concedida pela Justiça de Caraguatatuba, na quarta-feira (22), famílias que vivem em áreas de riscos começaram a ser orientadas a trocar as casas por abrigos seguros.
Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que o processo será feito com assistentes sociais, mas, poderá ser obrigatório se houver resistência.
O governo informou que, no primeiro momento, "será oferecido auxílio moradia pela Secretaria de Desenvolvimento Social com operacionalização pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). O cadastro único das famílias será feito em parceria com a Prefeitura de São Sebastião."
Nos locais atingidos, o governo disse ainda que "outras áreas para novos conjuntos habitacionais estão sendo identificadas para ampliar a oferta de moradias" e que "serão disponibilizadas cerca de 150 das 1.500 unidades habitacionais de um empreendimento feito com apoio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH) em parceria com o Governo Federal em Bertioga. O conjunto está com entrega programada para os próximos meses."
Procurada, a Prefeitura de São Sebastião reforçou as medidas anunciadas pelo governador. Disse também que estão disponibilizando parte da rede hoteleira da cidade para receber os desabrigados. "De acordo com a defesa civil estadual e municipal, há 86 setores de risco no município de São Sebastião. A estimativa do número de pessoas que deverão ser removidas será apresentada pela Defesa Civil após a conclusão do estudo de área, que acontece bairro a bairro", declarou em nota.
"Uma casinha simples, mas era nossa"
Joana e Naldo chegaram à Vila Sahy em 2006. Ele deixou a cidade de Jati, no interior do Ceará, para trabalhar como recepcionista em um hotel da região. Meses depois, Joana chegou em São Sebastião acompanhada dos dois filhos crianças. "Ele veio na frente e mandou buscar a gente depois. No começo, estranhei um pouco, mas me habituei rápido porque lá [no Ceará] as coisas são muito sofridas. Aqui, tinha trabalho que dava as coisas que a gente não tinha lá", diz.
Desde sábado, Joana, o marido e os dois filhos estão abrigados em uma escola. Mas, todas as noites, Naldo afirma que vai até a casa, abre as janelas e dá comida para o animal de estimação.
"Compramos uma casinha simples, mas era nossa. A gente saia para trabalhar, mas voltava e sabia que teria um cantinho. Ser proibida de voltar para a sua própria casa é muito triste. Agora, a gente não tem plano porque não tem condição de alugar a casa de baixo."
No abrigo provisório, Joana diz que não consegue dormir. "Ninguém dorme, você cochila, acorda e vê todo mundo amontoado num canto. A gente pede a Deus para não chover porque a Vila está muito perigosa."
Na escola em que estão abrigados, Naldo acorda cedo para passar na casa em que vivia. De lá, segue para o trabalho, como porteiro de um condomínio. No horário de almoço, quando consegue, faz bicos em trabalhos informais para completar a renda. Quando tem um intervalo, pede ajuda aos amigos para usar a máquina de lavar, já que estão sem água há alguns dias.
"A Vila Sahy é um lugar que a gente se adaptou, trabalhou. A gente conseguiu coisas. Nosso prazer seria continuar lá, mas com segurança", diz ele.
'Para onde a gente vai? Não temos para onde ir'
Juscelia Maria Nogueira dos Santos, 37, tinha cinco casas alugadas e a que morava na Vila Sahy. Com a chuva, perdeu todas.
"Não sabemos qual o nosso destino. A chuva desceu o morro inteiro, varrendo tudo. Agora, qualquer barulho de chuva que ouço, acho que vai acabar com tudo. Fiquei com tanto medo que nem durmo."
Ela e o marido vivem na Vila Sahy há 15 anos. Desde o sábado (18), o casal e um dos filhos vive no abrigo montado no Instituto Verdescola. Na nova rotina, Juscelia acorda, toma banho e leva o marido para trocar os curativos nas costas. Ele está com ferimentos causados pela queda de galhos de árvores na coluna.
Para onde a gente vai? Não temos para onde ir. Quando todo mundo sair daqui e deixar de ajudar, para onde nós vamos? Nosso medo é não ter para onde ir?
Juscelia
Participação dos moradores
O processo de remoção precisa seguir etapas para não causar danos severos à população. Segundo o professor do Instituto das Cidades da Unifesp, Anderson Kazuo Nakano, não se trata apenas de retirar as pessoas das áreas de risco. É preciso seguir um planejamento que inclui:
- Análise das áreas de risco que representam ameaças à vida da população;
- Metodologia participativa para incentivar a participação dos moradores no processo;
- Agendamento de visitas para que a população transferida conheça as novas áreas;
- Recomposição da rede de relações sociais nas novas áreas.
Joana espera que autoridades garantam aos moradores da Vila Sahy uma moradia digna. "Um canto seguro que a gente possa levar a família, usar um banheiro", diz
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