'Lentidão é proposital': yanomamis ainda vivem com fome, covid e malária
O colapso humanitário e sanitário vivido na Terra Indígena Yanomami, potencializado pela crescente do garimpo ilegal na região e denúncias de exploração sexual tem chocado o país. E, embora a emergência tenha entrado para a agenda do governo federal desde janeiro, a força-tarefa voltada para o atendimento à saúde e distribuição de alimentos ainda é insuficiente.
O UOL compilou os destaques em torno da crise. Confira:
Falta de apoio
Lideranças acusam falta de apoio das Forças Armadas. Formada por voluntários e financiada por doações, a ONG Expedicionários da Saúde (EDS) levanta um hospital de campanha no território para amenizar a crise. O atendimento aos indígenas, que deve começar ainda em meados de abril, poderia estar a pleno vapor se não fosse a falta de apoio das Forças Armadas, disseram lideranças ouvidas pela agência de notícias Deutsche Welle.
"O Exército não conseguiu concluir a revitalização da pista ainda", critica Ivo Macuxi, assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), se referindo à obra de ampliação do aeródromo de Surucucu. A cerca de 300 quilômetros da capital Boa Vista, a pista é crucial para a chegada de aviões de carga a Surucucu, que só é acessível por via aérea.
Para o advogado indígena, a lentidão é proposital. "A gente acredita que eles não querem concluir mesmo, para que o Estado não chegue lá para cuidar do nosso povo e expulsar os garimpeiros. A gente sabe que o Exército apoiava Bolsonaro, e parece que estão boicotando mesmo a gente", afirma.
Fome, covid e malária
A fome é registrada como gerada por múltiplos fatores, com destaque para a crise climática e as consequências do garimpo ilegal. O acompanhamento de vigilância nutricional indicado em 80% dos casos representa apenas uma pesagem ao ano das crianças.
Além do problema da fome, houve também um surto recente de covid-19, segundo Ricardo Affonso Ferreira, presidente e fundador da Expedicionários da Saúde.
Outra doença que se alastrou na região foi a malária. A doença infecciosa, transmitida na picada do mosquito anopheles, é tratada com cloroquina desde a década de 1930. A droga, apesar de demonstrada ineficácia contra covid-19, era defendida por Bolsonaro como "tratamento precoce" durante a pandemia. Como sequência, o medicamento faltou onde era mais necessário.
"A malária aumentou muito e houve falta de remédio por muito tempo", afirmou Macuxi. A doença entre os indígenas cresceu mais de 300% com a onda de invasão dos garimpeiros, agravada em 2019.
Remédios vencidos e seringas reutilizadas
Remédios vencidos e roubados, seringas de uso oral reutilizadas e fezes espalhadas por unidades de atendimento aos povos originários foram situações registradas no relatório preliminar Missão Yanomami, de janeiro deste ano, divulgado pelo Ministério da Saúde.
O documento também constata roubos de medicamentos, principalmente os antimaláricos. Além disso, com dados contraditórios, não há controle e rastreamento dos medicamentos entregues aos polos-base [unidades de saúde instaladas para atender os povos originários] e há registro de medicamentos vencidos ou prestes a vencer armazenados.
Há superlotação nas unidades de atendimento. Na Casa de Saúde do Indígena (Casai) em Boa Vista, por exemplo, a capacidade é de cerca de 200 pessoas e estão sendo atendidas mais de 700. Há casos de até 10 anos de espera de retorno.
Nas unidades de atendimento não há meios de comunicação, equipamentos e mobiliários básicos para os atendimentos, como, por exemplo, macas em bom estado, oxigênio medicinal em cilindro, desfibrilador automático externo (DEA) e nem sequer suporte para soro. Além disso, também não há acesso a saneamento básico.
Vermes pela boca
Após visita ao território Yanomami, a jornalista Sônia Bridi relatou que crianças estavam soltando vermes pela boca. Essa situação, porém, tem sido denunciada nos últimos anos pela HAY (Hutukara Associação Yanomami), que compartilhou em suas redes sociais fotos de vermes retirados de bocas de crianças de 1 a 5 anos de idade.
Mortalidade infantil
De acordo com dados da Agência Brasil, nos últimos quatro anos foram registradas cerca de 570 mortes de crianças no território Yanomami. A taxa de mortalidade de bebês no primeiro ano de vida na população Yanomami atingiu 114,3 a cada mil nascimentos em 2020, conforme levantamento anual mais atualizado divulgado pelo Ministério da Saúde.
A principal causa de óbito registrada é a desnutrição. De acordo com o relatório Missão Yanomami, do Ministério da Saúde, os dados de mortalidade de 2022 (209, de janeiro a setembro) apontam para 99 mortes de menores de 5 anos por causa evitável, sendo 67 menores de 1 ano.
Já dados obtidos pela DW e confirmados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) indicam que a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos foi de 1,8 por dia em janeiro — o que totaliza 56 vítimas naquele mês.
Abandono em unidades de saúde
A Defensoria Pública da União (DPU) constatou violação generalizada e sistemática de direitos humanos dos povos indígenas Yanomami.
Ao inspecionar a Casai Yanomami, foram coletados relatos de crianças indígenas que, supostamente, teriam sido "abandonadas" no local e ali permaneceram sem um responsável legal e em situação de hipervulnerabilidade, sem receber os cuidados adequados.
Exploração sexual
A PF resgatou uma jovem de 15 anos que seria vítima de exploração sexual em garimpos da região. A partir daí, começaram a investigar o esquema.
Segundo a polícia, os suspeitos usavam perfis falsos nas redes sociais para oferecer às mulheres trabalho na região do garimpo, inclusive com prostituição, "com promessa de ganhos irreais".
Crescimento do garimpo
O garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami cresceu 54% no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Cerca de 1.782 novos hectares foram destruídos entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022, como consta pesquisa realizada pelo ISA (Instituto Socioambiental) em parceria com a HAY (Hutukara Associação Yanomami).
Prazo para saída de invasores estabelecido. Desde janeiro, uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Força Nacional de Segurança Pública, atua para acabar com o garimpo no local. Para evitar confrontos, o governo federal estabeleceu o dia 6 de maio como prazo para saída voluntária dos invasores.
As equipes de fiscalização encontram resistência em algumas situações. Em pelo menos duas ocasiões, os agentes foram recebidos a tiros. Em fevereiro, uma base do Ibama foi atacada por criminosos armados na aldeia Palimiú.
*Com informações da Deutsche Welle
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