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'Minha avó guarda pedaço de bolo há 53 anos'; e o motivo vai te emocionar

Maria Fernanda da Rocha diz guardar bolo por 53 anos - Arquivo pessoal
Maria Fernanda da Rocha diz guardar bolo por 53 anos Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

28/05/2023 04h00

Há décadas um pedaço de bolo de mel faz parte da história da dona de casa Maria Fernanda da Rocha, 84. Ela diz ter guardado a fatia por 53 anos.

A iguaria habita a geladeira da casa da mulher, em Diadema, e está enrolada em um plástico — segundo a família, sem estragar.

Essa curiosa história é também um "causo" de saudade. Apesar da excentricidade da situação, o bolo, para Maria, é a materialização de um elo rompido anos atrás.

Quem contou publicamente a história do bolo guardado foi o neto de Maria, o veterinário Gabriel Rocha, 34, no Twitter.

"Já sabia desse bolo faz tempo. Vira e mexe alguém lembra que ele existe e pede para ver. A primeira vez que eu vi deve ter sido uns 15 anos atrás", contou.

O pedaço de bolo nunca foi congelado, segundo o neto, e parece conservado. "Ele diminuiu de tamanho e ficou duro, visualmente está bem parecido com o que era antes. Não tem nenhum sinal de fungo nem cheiro nenhum."

E por quê?

O doce remonta a um último café que Maria tomou com o pai dela, em 1970, segundo a família.

"Em 1970, o pai dela fez um bolo de mel, levou à casa dela para tomarem café juntos e sobrou esse pedaço. No dia seguinte, meu bisavô faleceu e o bolo ficou como lembrança do último momento deles juntos", escreveu Gabriel.

O veterinário conta que, quando soube o motivo por trás do bolo da geladeira, pensou que fosse mentira. "Achei que estavam brincando, mas várias pessoas da família acompanharam essa história desde o início", diz ele.

'Fui guardando'

Ao UOL, Maria contou que não esperava guardar tanto tempo o pedaço de bolo. "Foi a última lembrança que ele fez com suas próprias mãos. Fiquei com dó de jogar fora na primeira semana e fui guardando, foi ficando na geladeira e assim ficou até hoje."

Ela diz que o último encontro com o pai deixou boas memórias. "Fiquei contente com aquele pedaço de bolo de mel, que tanto gostava quando ele fazia. Quando vejo esse bolo sinto saudade do meu pai e das comidas gostosas dele."

maria - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maria Fernanda da Rocha guarda o bolo como a última memória do seu pai
Imagem: Arquivo pessoal

O pedaço de bolo acompanhou as mudanças de vida de Maria. Na época em que se despediu do pai, ela morava na Vila Moraes, em São Paulo, e a iguaria foi junto com a mudança quando ela decidiu morar em Diadema.

Mesmo 53 anos depois, Maria não tem previsão de se desfazer do pedaço de bolo. "Nunca pensei em jogar fora porque foi uma boa lembrança do meu pai", diz. Hoje, ela tem duas geladeiras e quando vai limpar uma, coloca o bolo na outra.

Apesar da tradição, ela não espera que os netos conservem a herança. "Se eles quiserem jogar fora, eles jogam. Pois esta lembrança é importante para mim e não para eles."

Gabriel, no entanto, conta que existe até uma "briga" entre os filhos e netos para saber quem vai levar o bolo como herança. "Acho bonito. Naquela época fotos não eram tão acessíveis, foi o modo dela de preservar a lembrança", afirma.

Alimentos podem se conservar?

O mel não é o motivo da preservação do bolo. Apesar da propriedade antimicrobiana do mel — de inibir o desenvolvimento de micro-organismos — a quantidade da substância na receita não deve ter tido influência na suposta conservação do pedaço de bolo, explica Karen Signori Pereira, microbiologista e professora doutora da engenharia de alimentos da UFRJ.

Para que o mel tivesse esse efeito antimicrobiano teria de ser uma quantidade muito maior, teria de ter bastante mel. Além disso, quando você coloca mel em um alimento, não significa que de qualquer forma ele apresente essas propriedades antimicrobianas. Há muitas variáveis: depende do tipo de mel, da quantidade, e ele ainda foi para o forno, então é muito difícil considerar essa boa aparência pelo mel
Karen Signori Pereira

Frio pode ter influenciado na preservação do bolo. Exposto à baixa temperatura na geladeira, as atividades metabólicas dos micro-organismos, como fungos, desaceleram.

Quando colocamos um alimento na geladeira, estamos diminuindo a velocidade das reações bioquímicas ou, muitas vezes, quase que impedindo algumas reações. Qualquer micro-organismo vai ficar lento, inclusive, impossibilitando a multiplicação. Geralmente, temperaturas mais altas são consideradas ótimas para fungos, por exemplo
Karen Signori Pereira

Falta de água também é uma das causas. Para se multiplicar, os micro-organismos precisam de água. Ao ficar na geladeira, o pedaço de bolo perde a substância — o que explica também a diminuição do tamanho, conforme relatou Gabriel.

Com o passar do tempo, esse bolo foi perdendo água, ele vai ficando cada vez mais seco e num ambiente com temperatura baixa. Tudo isso vai tornando muito mais difícil a vida do micro-organismo que ali estava. Ele pode não estar se proliferando, mas ele está lá e está vivo. Essa dificuldade de se multiplicar é o que não torna visível que o pedaço de bolo está deteriorado
Karen Signori Pereira

Produto pode estar, sim, mofado. Apesar de não aparentar, o pedaço de bolo pode estar com mofo, já que os micro-organismos causadores dessa estrutura são invisíveis ao olho nu.

Quando um micro-organismo fica visível para a gente é porque ele está numa quantidade muito alta mesmo. Então, não estar visível para a gente não significa que ele não esteja lá
Karen Signori Pereira

Improvável alimento estar tão estável. A especialista acredita que o tempo e as condições em que o bolo ficou podem ser ameaçadoras para a manutenção da estrutura dele.

É muito tempo. Muito tempo para manter estável um produto sob condições relativamente frágeis, como, por exemplo, a manutenção da temperatura da geladeira em condições não controladas ou a embalagem do produto
Karen Signori Pereira