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Garimpo ilegal e poucas escolas: como internet de Musk chegou à Amazônia

Do UOL, em São Paulo

05/06/2023 04h00

Ao visitar o Brasil em maio de 2022, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), o empresário Elon Musk anunciou que levaria internet a 19 mil escolas por meio da empresa Starlink. Mais de um ano depois, Musk não fechou qualquer acordo com o governo federal, mas antenas da empresa têm sido vendidas até para garimpos ilegais na Amazônia.

O que aconteceu

Até o momento, a empresa de Musk só levou internet a três escolas estaduais no Amazonas. As antenas foram doadas em setembro como uma "demonstração do serviço" da Starlink, mas não houve novas instalações na rede de ensino desde então.

O governo Bolsonaro anunciou em maio a meta de conectar 100% das escolas públicas da região Norte até o fim de 2022. Isso ocorreu em maio, durante a visita do bilionário sul-africano.

Hoje, no entanto, ainda há mais de 5 mil escolas sem internet na região, segundo dados da Anatel. Em outubro, o governo abriu um edital para provedores de internet interessados em fornecer banda larga a 6,9 mil escolas. Mas a Starlink não participou da concorrência.

As antenas da empresa de Musk, por outro lado, têm sido vendidas a entes privados. No fim do mês passado, após lançar uma promoção que derrubou pela metade o preço de instalação, a Starlink anunciou que atingiu a marca de 50 mil clientes no Brasil. A empresa não tem escritório no Brasil.

O serviço também chega a garimpos ilegais na Amazônia, e antenas da Starlink têm sido apreendidas em operações de fiscalização. Elas podem ser compradas em grupos de garimpeiros no WhatsApp e no Facebook monitorados pela reportagem.

O UOL questionou a Starlink sobre os planos de conectar escolas e o uso do sinal nos garimpos. A empresa não retornou os contatos no e-mail disponível no site, e o representante legal no Brasil afirmou que não fala em nome da companhia.

Não tenho nenhum envolvimento com a operação e nem conheço os planos da empresa aqui. Não existe ainda uma estrutura e operação local, e não estou autorizado a falar pela empresa."
Vitor Urner, representante legal da Starlink no Brasil

Antenas revendidas a garimpos com preços inflacionados

Revendedores não autorizados da Starlink praticam preços mais altos que o oficial. No site, a antena é vendida a partir de R$ 1 mil e a mensalidade sai a partir de R$ 184, mas nos grupos chega-se a cobrar mais de R$ 8 mil pelo equipamento.

As revendas não são ilegais, mas contrariam os termos de uso da própria Starlink. A empresa deixa claro, no site, que "você não poderá revender o acesso aos serviços a terceiros como um serviço independente, integrado ou de valor agregado".

A venda paralela é mais cara, entre outros motivos, porque permite uso no exterior. Hoje a Starlink não faz entregas para Venezuela, Suriname e as Guianas, mas garimpeiros brasileiros levam as antenas a estes países, onde o sinal pega normalmente.

Um revendedor de Boa Vista (RR), que falou ao UOL sob anonimato, confirmou que há essa demanda. "Se levar para outros países como Guiana Francesa e Suriname, em que o pessoal tem procurado muito, fica mais caro", afirmou.

Internet nos garimpos dificulta fiscalização ambiental

Para fiscais ambientais ouvidos pelo UOL, a expansão do serviço é um novo obstáculo no combate ao crime. A conexão com satélites de baixa órbita, como a da Starlink, é a opção mais viável de internet em áreas remotas, como as florestas.

O garimpo tem abandonado a comunicação via rádio devido ao acesso crescente à internet, segundo os fiscais. De acordo com essas fontes, o garimpo monitora constantemente a presença dos órgãos ambientais nas áreas protegidas.

A velocidade na comunicação dos garimpeiros tem aberto brechas na fiscalização. No início do ano o governo instalou um cabo de aço sobre um rio na Terra Indígena Yanomami, para controlar o trânsito fluvial. Em maio esse cabo se rompeu e, na mesma noite, barcos clandestinos passaram pelo local.

Em fevereiro, foi instalada uma barreira no Rio Uraricoera. Na semana em que cheguei, a barreira se rompeu e, nesse mesmo dia, registramos a passagem de barcos exatamente no local onde a barreira estava rompida."
Augusto Morelli, fiscal ambiental do Ibama

O UOL questionou a Anatel se o órgão sabe do uso da internet nos garimpos e, nesse caso, se é possível bloquear o sinal nessas regiões. Até a publicação deste texto, porém, a agência não se manifestou.