Quem detém os direitos da Marcha para Jesus e por que outras igrejas usam
Importada de Londres, a Marcha para Jesus foi trazida nos anos 1990 pela igreja Renascer em Cristo, do apóstolo Estevam Hernandes e da bispa Sônia Hernandes. Atualmente, o evento se espalhou por diferentes estados do Brasil — e acontece nesta quinta-feira em São Paulo.
O que aconteceu
Apesar de a Renascer ser dona da marca no país, outras denominações evangélicas realizam o evento pelo Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, o responsável pela Marcha para Jesus é o Comerj (Conselho de Ministros Evangélicos do Rio de Janeiro).
Isso se dá, segundo pesquisadores, devido aos "arranjos" e "alianças" locais. Em determinadas cidades, algumas lideranças evangélicas são mais fortes do que as outras.
A própria Renascer afirma que permite o uso de outras igrejas evangélicas. "Somos detentores da marca, mas apenas para protegê-la, por isso não impedimos que outras igrejas a usem", disse o apóstolo Estevam Hernandes ao UOL.
Uma pessoa pode se autointitular apóstolo ou receber uma "unção" de outro apóstolo.
Disputa por produtos comercializados
A Renascer não faz um "policiamento" sobre quem organiza o evento, mas já houve disputa pela marca em relação a produtos comercializados, afirma Raquel Sant'Anna, antropóloga pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autora de uma tese sobre a Marcha para Jesus.
O processo envolveu a Renascer e a Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia. Apesar da disputa ter ocorrido no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), a relação entre as lideranças não foi abalada, segundo a pesquisadora.
A reportagem entrou em contato com as assessorias do pastor Claudio Duarte, presidente da Comerj, e do pastor Malafaia, mas não houve retorno.
Não existe disputa de patente para comercializar produtos porque não fazemos isso. Além disso, a Marcha foi declarada como lei do Estado de São Paulo, ou seja, patrimônio cultural imaterial. Na verdade, nunca houve processo judicial, apenas um procedimento interno no INPI."
Apóstolo Estevam Hernandes
Apesar de o dono da Renascer negar que houve um processo judicial, o procedimento no INPI envolveu grupos de advogados, que trabalharam como procuradores na defesa de cada igreja.
A produção desse evento acaba tendo relação com o arranjo das lideranças locais, e isso reflete como funciona o campo que chamamos de evangélicos em geral. É um campo em que não há uma legitimidade central, não tem alguém para falar em nome de todos, nem uma associação que eleja um representante dos evangélicos."
Raquel Sant'Anna, antropóloga
A história da Marcha para Jesus
O evento foi criado em Londres, no Reino Unido, em 1987. Não levou muito tempo para que a Marcha migrasse para outros países —no Brasil chegou em 1993.
Em São Paulo, ocorreram algumas edições na Avenida Paulista e outras no Vale do Anhangabaú. Hoje, acontece a 31ª da Marcha na capital — a saída é a partir das 10h próximo da estação Luz do Metrô.
As igrejas pentecostais são as que mais marcam presença no evento — além da Renascer, as Assembleias de Deus e a Universal, por exemplo. Os fiéis podem participar, por mais que algumas dessas igrejas não divulguem o evento institucionalmente.
As consideradas "históricas", como Batista, Presbiteriana e Metodista, ficam mais distantes da Marcha.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o primeiro chefe do Executivo a participar do evento. Ele esteve em 2019 e no ano passado — nas duas ocasiões discursou e foi elogiado por boa parte do público.
O que dizem os especialistas
Para pesquisadores, o evento tem se tornado cada vez mais político e se aproximado da direita conservadora no Brasil.
É uma forma de os evangélicos demonstrarem também que são numericamente importantes. E ganhou um tom político ainda mais forte nos últimos anos."
Guilherme Galvão, pesquisador da FGV
A Marcha tem esse caráter de acompanhar a história do evangélico no Brasil. Em 2002, quando lideranças apoiavam o governo do PT, e depois de 2019, com Bolsonaro participando como o primeiro presidente do evento."
Raquel Sant'Anna, antropóloga
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