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Indígenas são um terço dos defensores de direitos humanos assassinados

Do UOL, em São Paulo

14/06/2023 00h01

Indígenas representam quase um terço de defensores de direitos humanos assassinados no país. Os dados fazem parte de relatório divulgado hoje pelas entidades Justiça Global e Terra de Direitos. O estudo mapeou 1.171 violações ocorridas de 2019 a 2022. Do total, 169 são assassinatos.

O que diz o estudo

Três defensores de direitos humanos foram mortos por mês no país, em média, no período analisado.

O Maranhão é o estado com maior número de assassinatos de lideranças indígenas (com 10 casos), seguido de Mato Grosso do Sul (9), Amazonas e Roraima (7, cada um). No total, foram 50 ocorrências desse tipo.

O incentivo à mineração em territórios indígenas, a intensificação de ações de grileiros e fazendeiros e a ausência de políticas públicas de demarcação de terras estão entre os fatores que motivaram os assassinatos de defensores indígenas.

Os indígenas correspondem a 29,6% dos defensores mortos; pessoas negras são 17,8%. A média de idade das pessoas assassinadas é 41 anos.

Defensores homens cisgênero são a maior parte das vítimas (82,2% do total). Mulheres cisgênero representam 9,5% das vítimas. Homens e mulheres trans são 5,9% do total — os pesquisadores dizem que há subnotificação das ocorrências envolvendo pessoas LGBTQIA+.

A maior parte dos assassinatos ocorreu com um tiro (34,3%) ou múltiplos tiros (29%). Em 11 assassinatos há sinais de tortura.

Ocorrências em todo o país

Todos os estados da federação tiveram ao menos uma ocorrência de violência mapeada entre 2019 e 2022. A unidade da federação com maior número de violações contra defensores de direitos humanos é o Pará, com 143 casos, seguido do Maranhão, com 131.

Norte e Nordeste concentram o maior número de violações — com 31,5% e 32,4% dos casos, respectivamente. Segundo a coordenadora da Justiça Global, Sandra Carvalho, as duas regiões registram ações de grupos de extermínio, além dos conflitos de terra. No Ceará, ela destaca a forte atuação de organizações criminosas.

Entre as violações mapeadas, as ameaças representam 49,4% do total, com 579 casos. Em segundo lugar, estão os atentados com 16,8%, e em terceiro, os assassinatos com 14,4%. Outros registros correspondem a criminalização (quando entram com ação na Justiça contra o trabalho dos defensores), deslegitimação, agressão física, importunação sexual e suicídio.

A maior parte das violências é praticada por agentes privados. Entre os casos em que a pesquisa identificou o agente responsável, 58,8% são fazendeiros e seguranças privados. Agentes públicos correspondem a 41,2% do total.

Como reduzir esses números?

A coordenadora da Justiça Global afirma que a investigação, a fiscalização de territórios e o programa de proteção aos defensores de direitos humanos precisam ser melhorados. "Normalmente, identificam os executores, mas não chegam aos mandantes, que, muitas vezes, estão envolvidos em mais de um caso."

O Ministério dos Direitos Humanos já havia anunciado que vai retomar ações de proteção aos defensores dos direitos humanos, desmontadas nas gestões anteriores. O levantamento avaliou o período de governo de Jair Bolsonaro (PL).

Algumas pessoas são ameaçadas por anos e só depois de muito tempo materializam-se os homicídios. Como ameaça é considerado crime de menor potencial ofensivo, muitas vezes não são investigadas ou mapeadas."
Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global

"Vivo numa prisão domiciliar"

A coordenadora do Cita (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns), Auricélia Arapiun, 36, foi perseguida e ameaçada de morte ao atuar como defensora de direitos humanos na região do Baixo Tapajós, no Pará. Os dois filhos dela também foram ameaçados — um com uma arma ao sair de casa para ir à escola e o outro foi atropelado por uma moto enquanto brincava na rua.

O relatório aponta que a violência também é comumente praticada contra familiares de lideranças, sobretudo, crianças e adolescentes.

Em 2020, ela virou alvo após ação para suspender o plano de manejo de madeireiros dentro da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Em 2021, passou a receber ameaças de morte. "Fizeram um projeto de exploração sem consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais. Ia virar um caos."

Hoje, a defensora vive com os filhos em uma ocupação com câmeras de segurança e cerca elétrica. "Perdemos totalmente a liberdade."

Senti muito medo pelos meus filhos, eles acabam ficando expostos. Depois dessas últimas ameaças, fiquei bem abalada. Quem é punido somos nós. Mas nenhuma ameaça vai me fazer parar de lutar.
Auricélia Arapiun, defensora indígena

Ameaçada de morte, defensora indígena Auricélia Arapiun representa populações da região do Baixo Tapajós  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ameaçada de morte, defensora indígena Auricélia Arapiun representa populações da região do Baixo Tapajós
Imagem: Arquivo pessoal

Exilada para pesquisar conflitos ambientais

A geógrafa e professora da USP Larissa Bombardi teve de deixar o Brasil após ser ameaçada. A perseguição começou depois que ela lançou o atlas "Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia", em 2019.

O estudo fez com que uma rede de orgânicos da Escandinávia passasse a boicotar produtos brasileiros, de acordo com ela. Com a repercussão, vieram intimidações feitas por pessoas ligadas ao setor agropecuário.

Ela recebeu mensagens ameaçadoras por e-mail e teve a casa assaltada em 2020. Hoje, vive em Bruxelas, na Bélgica, e se dedica ao pós-doutorado, em trabalho sobre conflitos ambientais.

Se a professora diz que pulverização aérea não é uma coisa segura, então eu convido a professora a dar uma voltinha no avião pra ver como tem segurança.
Mensagem enviada à pesquisadora Larissa Bombardi