'Parece até pesadelo', diz médico que teve CRM falsificado por enfermeiro
O médico Guilherme Alberto Guimarães Souto teve o seu número de registro profissional no CRM (Conselho Regional de Medicina) falsificado pelo enfermeiro Alberto Rodrigues da Silva, segundo investigações da Polícia Civil do Maranhão. O enfermeiro é suspeito de exercício ilegal da medicina — uma mulher de 37 anos morreu no dia 2, após uma cirurgia plástica que teria sido realizada apenas por Alberto, sem a presença de um médico, no interior do Maranhão.
Todos os dados estão corretos, a falsificação foi bem feita, mas a assinatura não é a minha. Não tenho ideia de como pode ter ocorrido esse absurdo. Estou indo agora até uma delegacia fazer um BO. Ele ainda se passou por cirurgião, eu sou radiologista.
Guilherme Souto, médico radiologista
O que aconteceu
O CRM de Guilherme foi adulterado há cerca de dois anos, conforme as investigações, mas o médico disse que só soube agora, ao ser informado pela reportagem do UOL por telefone sobre o fato. O maranhense é radiologista e atualmente trabalha no Paraná.
"Achei que fosse um trote no telefone." O radiologista estava num plantão quando falou com a reportagem e, por inúmeras vezes, afirmou que não sabia o que estava acontecendo.
Há evidências de falsificação na assinatura nos documentos que seriam usados pelo enfermeiro Alberto para exercer a medicina. O UOL teve acesso aos documentos originais do registro do radiologista para fazer a comparação com o CRM falso em que aparece a foto de Alberto e o nome de Guilherme (veja imagem abaixo).
Estou aqui no Paraná, meu CRM do Maranhão está suspenso provisoriamente por conta da minha mudança de estado. Não estou acreditando, isso não pode ser real, parece até um pesadelo.
Guilherme Souto, médico radiologista
Outro lado: Procurada, a defesa do enfermeiro Alberto informou que não vai se pronunciar agora sobre esse caso, pois está em fase de apuração pela polícia.
O que a Polícia Civil investiga
Policiais civis maranhenses se referem a Alberto como "falso médico", já que há provas de que o profissional de saúde fraudou o CRM do radiologista para atender com o nome de Guilherme Alberto Guimarães Souto.
O enfermeiro de 32 anos responde a dois inquéritos policiais. Como atuava em diversos hospitais do interior do estado, foi intimado a depor nos municípios de Turiaçu e em Lago da Pedra, onde ocorreram denúncias de imperícias médicas realizadas pelo investigado.
No primeiro, ele o suspeito é investigado por exercício ilegal da medicina, lesão corporal e falsidade ideológica. O inquérito foi aberto em 2021 e está em curso na Justiça de Turiaçu (MA).
A lesão corporal foi constatada após uma cirurgia realizada em Eunice Morais Gomes. Ela teria sido submetida à retirada do útero com inúmeras lesões no pós-cirúrgico. A vítima procurou a polícia e denunciou o enfermeiro à época.
Marido da vítima, Janaka Gomes Feitosa conta que descobriu meses depois que a esposa tinha sido operada por um enfermeiro, e não por um médico.
Minha mulher usou fralda por oito meses. Foram 14 meses de tratamento para reparar a negligência. Ele furou a bexiga dela, desligou um rim, danificou a uretra... O estrago foi grande. Foi Deus que colocou a mão e disse que ainda não era hora de ela ir embora. Foi um milagre.
Janaka Gomes Feitosa, marido da vítima
O que diz o delegado do caso
Não houve prisão em flagrante, relatou o delegado regional Carlos Renato Oliveira de Azevedo, da Polícia Civil do Maranhão, que cuida do caso em Turiaçu.
Ele foi ouvido um ano após o fato. Responde a esse processo em liberdade. A função da polícia foi concluída com a remessa ao Poder Judiciário.
Carlos Renato Oliveira de Azevedo, delegado da Polícia Civil do Maranhão
O delegado disse que o verdadeiro médico não foi comunicado sobre a fraude com seu CRM porque à época do inquérito não foi localizado pela Polícia Civil.
Morte de esteticista após cirurgia plástica
No caso mais recente, a polícia investiga a morte da esteticista Erinalva de Jesus Dias, 37, no município de Lagoa da Pedra. Ela morreu dois dias depois de ser submetida a uma cirurgia de abdominoplastia, no último dia 2.
O delegado que investiga esse segundo caso, Marcio Rodrigo Lelis Coutinho, disse que aguarda um laudo pericial do IML, para então ouvir o depoimento do enfermeiro.
Preciso da materialidade que é a necropsia, para ter a certeza de que a morte foi decorrente da imperícia no procedimento feito pelo enfermeiro que se passou por médico. Estou aguardando também o processo que ele já responde em Turiaçu para juntar aos autos.
Marcio Rodrigo Lelis Coutinho, delegado
Enfermeira tirou fotos das cirurgias
Uma enfermeira, que pediu para não ser identificada, afirmou que são inúmeras as vítimas de Alberto. Ela trabalha no hospital municipal de Turiaçu, onde o enfermeiro teria se passado por cirurgião por pelo menos seis meses antes de ser denunciado.
Ela começou a fotografar às escondidas o enfermeiro, para denunciá-lo à polícia. As imagens (uma delas é a que ilustra a reportagem) foram anexadas ao inquérito policial.
O que diz o CRM do Maranhão
O presidente do CRM do Maranhão, José Carlos Fernandes, disse que também não tinha conhecimento sobre o caso até sair na imprensa e, portanto, não foi possível avisar o verdadeiro médico da falsificação.
Instauramos uma sindicância para questionar a diretoria clínica dos hospitais por onde esse rapaz [Alberto] passou, para que possamos entender quais foram os documentos e diplomas que esse enfermeiro apresentou se passando por médico. O caso está na corregedoria do conselho.
José Carlos Fernandes, presidente do CRM do Maranhão
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