Investigação sobre operação da PM deve mirar comandantes, diz pesquisadora
Quando a cúpula da Segurança Pública paulista atendeu pela primeira vez a imprensa para esclarecer o que estava acontecendo no Guarujá, na manhã de 31 de julho, já havia dez detidos e oito mortos em supostos confrontos.
Quatro dias antes, o soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos, foi morto por um tiro de pistola .40, disparado próximo do túnel Vila Zilda, na mesma cidade. Antes da morte de Reis, a chamada Operação Escudo tinha como missão sufocar o tráfico de drogas na Baixada Santista.
A morte mudou o objetivo da ação. Na manhã seguinte, estavam presentes no local o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, e o comandante-geral da corporação, o coronel Cássio Araújo de Freitas. Num tempo recorde, a polícia afirmou ter conseguido elucidar toda a dinâmica do crime e prender o atirador.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) elogiou a ação policial e, antes de o inquérito da Polícia Civil ser finalizado, desconsiderou as afirmações de moradores das favelas afetadas, que disseram ter sido constantemente ameaçados de morte desde o homicídio do soldado Reis. Naquele momento, só quatro dos mortos tinham sido identificados.
"A primeira coisa a destacar: a fala do governador e do secretário de Segurança Pública no sentido de comemorar a ação, indicar que ela teria sido bem-sucedida, indicando inclusive a lisura dos policiais militares antes de uma investigação precisa, tendo resultado em 19 mortes, mostra uma política de segurança pública que se destina a eliminar suspeitos", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
O que a pesquisadora julga mais grave é, três semanas depois da ocorrência, a sociedade ainda não dispor de praticamente nenhum documento oficial público que relate, de maneira precisa, o que de fato aconteceu na dinâmica das mortes. "A Operação Escudo continua, a gente tem indicações de que pessoas vêm sendo torturadas na Baixada Santista e há 19 mortes muito mal explicadas. E não temos, segundo o Ministério Público, imagens de oito ocorrências."
Se foi uma ação bem-sucedida e se os policiais fizeram uso da força de forma legítima, qual é o sentido de esconder as imagens até agora? Acho que tudo isso nos leva a crer que, na verdade, a Secretaria da Segurança Pública está omitindo informações e, infelizmente, se torna muito difícil confiar na investigação.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Para ela, está nítido que as mortes ocasionadas pela operação Escudo são frutos de uma vingança relacionada à morte do soldado Reis. "A gente sabe que o Brasil é um dos países em que os policiais estão mais expostos ao risco, que tem alto número de policiais mortos, mas, tendo destacado o quão trágico é a morte de um policial no cumprimento do seu dever, logo após esse assassinato ter 19 mortes numa operação que não possui gravações, que não tem clareza sobre os laudos produzidos, cujas informações das investigações são desencontradas, nos leva a crer que, sim, se tratou de uma operação vingança."
Em 7 de agosto, a PM afirmou à imprensa que o MP teve acesso às filmagens de 7 das 16 ocorrências com mortes nos primeiros dias da Operação Escudo.
Samira entende que a promessa de Tarcísio de acabar com as câmeras corporais durante a campanha de 2022, de algum modo, era uma forma de inibir um mecanismo que atrapalharia a ação do policial que está disposto a apertar o gatilho. Como na PM a hierarquia é bem definida, a pesquisadora analisa que os comandantes devem ser responsabilizados pelos policiais que não estavam com as câmeras ou que interferiram de algum modo para esconder alguma imagem durante a ação: "Se o policial saiu sem câmera, isso significa que o comando foi conivente. Então, a gente não está falando de um desvio individual de conduta na ponta. A gente está falando de responsabilização de comando."
Outro lado
A reportagem pediu à assessoria de imprensa da SSP (Secretaria da Segurança Pública), na tarde de sábado (19), entrevistas com o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, com o comandante da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, e com o delegado-geral da Polícia Civil Artur José Dian. Os pedidos de entrevista não foram atendidos. A SSP enviou a seguinte nota:
"Por determinação da Secretaria da Segurança Pública, todos os casos são investigados pela Deic de Santos, com o apoio do DHPP, e pela Polícia Militar. Todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, tem sido compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário. Desde o início da Operação Escudo, 530 criminosos, incluindo líderes de facções criminosas e 201 foragidos Justiça, foram presos. Além disso, foram apreendidos 890 quilos de drogas e 70 armas de fogo ilegais.
Dos 19 casos de reação à ação policial que resultaram em morte, 11 envolveram policiais de batalhões que possuíam câmeras. Todas as imagens foram compartilhadas com os órgãos de controle, incluindo a trilha de auditoria de 4 câmeras que tiveram a bateria descarregada ao longo do turno de serviço. Importante esclarecer que a designação das equipes para o apoio às ações na Baixada Santista foi pautada por critérios técnicos e operacionais, de forma a garantir o policiamento preventivo em todo o Estado, e não pela disponibilidade de materiais ou equipamentos.
Os laudos oficiais elaborados pelo Instituto Médico Legal (IML) foram executados com rigor técnico, isenção e nos termos da Lei. Em nenhum deles foi registrado sinais de tortura ou qualquer incompatibilidade com os episódios relatados. Os relatórios já foram enviados às autoridades responsáveis pelas investigações".