58% dos ataques a escola dos últimos 20 anos ocorreram em 2022 e 2023
Seis em cada dez ataques a escolas brasileiras nas últimas duas décadas ocorreram entre 2022 e 2023. Os dados são de um levantamento feito por pesquisadores da Unicamp, que fazem parte do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral).
O que aconteceu
De 2001 até outubro de 2023 foram registrados 36 ataques a escolas públicas ou privadas no país. Onze aconteceram neste ano e dez, em 2022.
O levantamento leva em consideração os episódios de violência cometidos por alunos ou ex-alunos das instituições de ensino, com a intenção de causar morte e que tenham sido planejados. O relatório é assinado pela professora da Unicamp Telma Vinha e foi publicado pelas organizações D³e e B3 Social.
O 36º ataque ocorreu na manhã de ontem (23) na escola estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo. Um aluno da unidade atirou contra três estudantes — uma morreu e duas ficaram feridas. O jovem foi apreendido e encaminhado à Fundação Casa.
O discurso de ódio e a falta de regulação nas redes sociais são apontados como alguns dos motivos para a explosão no número de casos.
Como é que a gente quer que esses alunos sejam civilizados, educados, se eles vivem em uma sociedade totalmente caótica e violenta?
Cleo Garcia, advogada, mestranda da Faculdade de Educação e integrante do Gepem
'Solução vai ser a longo prazo'
Cleo Garcia avalia que "há boa vontade" do governo para lidar com o assunto, mas afirma que é preciso ponderar que a solução não será de uma hora para outra. "Defendemos que exista uma modificação no currículo e que ele inclua a convivência democrática como uma disciplina. Hoje só se valoriza o conteúdo e o resultado nas escolas", diz a pesquisadora.
Em março deste ano, quando ocorreu o ataque na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona sul da capital paulista, o governo de São Paulo anunciou a contratação de 550 psicólogos nas escolas. O secretário de Educação, Renato Feder, disse que a média, hoje, é um profissional para cada 10 escolas estaduais.
Como o psicólogo vai dar conta de dez escolas sendo que às vezes uma única escola tem 1.800 alunos? Quando esse profissional atende algum aluno e verifica algum transtorno, encaminha para rede de proteção, mas quando esse adolescente chega até a rede de proteção não tem vaga, por exemplo.
Cleo Garcia
Para ela, é preciso que a equipe de psicólogos faça um trabalho em conjunto da equipe de professores e gestores. "Nós estamos a caminho de ultrapassar os Estados Unidos, que até junho deste ano registrou 13 casos", afirma.
A pesquisadora ressalta também que é preciso discutir temas como machismo, racismo e bullying não apenas em datas pontuais. O perfil dos autores de ataques é de jovens, do sexo masculino e da cor branca. A maioria tem apreço por temas violentos e culto às armas de fogo.
A integrante do Gepem afirmou ainda que é preciso investigar também o vazamento de vídeos do momento do ataque. "É de domínio da escola, só pode ter sido a polícia ou alguém da escola, com qual intuito? Que isso seja penalizado", afirma Cleo.
Mortes e feridos em ataques
Levantamento feito pelo UOL constatou 15 mortes e 44 feridos em ataques cometidos nos últimos dois anos. A maioria dos suspeitos usou arma de fogo durante o episódio violento.
Professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani entende que há falta de estrutura adequada das forças de segurança para coibir esse tipo de ação e relaciona o aumento de casos de bullying e do uso de meios digitais.
Isso tem muito a ver com uma cultura da juventude nesse meio digital, questões de bullying, problemas psicológicos e também uma falta de uma estrutura adequada de prevenção. Infelizmente, a tendência é piorar, na medida em que esse jovem vai vivendo nesses ambientes virtuais que radicalizam.
Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O que dizem as autoridades
Após o ataque a escola Sapopemba, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que é preciso reaver as ações do governo. "Alguém pode perguntar: mas o governo falhou? Provavelmente falhamos em alguma coisa. A gente não queria até falhar", disse.
Tarcísio admitiu que não tem um novo plano para enfrentar os ataque a escolas e afirmou que uma reunião entre as pastas da Educação e da Segurança Pública será feita para discutir o assunto.
É hora de rever, de voltar, de rever tudo que a gente está fazendo para que a gente evite novas ocorrências. A gente não pode deixar que esse tipo de coisa aconteça. A escola tem que ser um local seguro, a escola tem que ser um local de convivência.
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, após ataque a escola na zona leste
Em abril, após o ataque a uma escola, o governo anunciou um pacote de medidas de segurança nos colégios. Uma das ações foi a contratação de segurança particular desarmada para escolas vulneráveis.
No mesmo mês, o governo federal anunciou um investimento de R$ 3,1 bilhões para o combate aos ataques em escolas. O foco do governo na prevenção a ataques é a internet, em especial, as redes sociais, informou o ministro da Justiça, Flávio Dino, à época.
É falsa a ideia de que fiscalizar e regular a internet é contrária à liberdade de expressão. Todos os dias centenas de vídeos de apologia a chacina em escola, isso é liberdade de expressão? Em qual país do mundo? Incentivos a automutilação de jovens, isso é liberdade de expressão? Em qual país do mundo? Apologia ao nazismo, isso é crime no Brasil!
Flávio Dino, ministro da Justiça, em abril de 2023