'Passageiro xinga a gente': o drama de 'motôs' de ônibus no calorão do Rio
Daniele Dutra
Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro
22/11/2023 04h00Atualizada em 22/11/2023 07h28
O Rio de Janeiro tem enfrentado altas temperaturas nas últimas semanas, com a sensação térmica chegando a quase 60ºC na sexta-feira (17). Para quem está no transporte público e se depara com um coletivo sem ar-condicionado, a situação é ainda mais estressante.
Além dos passageiros, quem sofre são os motoristas de ônibus, que passam cerca de oito horas dirigindo, precisam enfrentar as altas temperaturas e, também, a revolta dos passageiros.
Motorista há 26 anos, Valtair de Oliveira da Silva já passou por diversas empresas com o mesmo problema de falta de ar-condicionado. Hoje na Viação Pavunense, ele conta que a maioria dos veículos com ar só refrigera da catraca em diante, fazendo com que eles continuem no calor.
Há ainda os ônibus com o equipamento, mas quebrado - neste caso, a situação é dramática, já que as janelas são travadas.
Trabalho com ônibus sem ar e, quando tem, só gela na garagem. Quando a gente vai para a rua e o sol bate: cadê o ar? Passageiro fica xingando a gente, reclamando, todo mundo revoltado. Infelizmente a gente tem que sair com o veículo assim, senão perde o dia de trabalho, leva suspensão... E eu já ganho pouco. Fica difícil.
Valtair de Oliveira da Silva, motorista de ônibus
Água congelada para suportar o calor
A rotina de trabalho do motorista começa às 5h50 da manhã e vai até as 15h, fazendo a linha Pavuna-Passeio, que cruza da zona oeste ao centro do Rio. Para suportar o calor excessivo, ele e os colegas precisam dar um jeito, já que, segundo eles, a empresa não toma medidas para reduzir os riscos aos rodoviários.
"Tem lugar que se o motorista se recusa a sair da garagem com ônibus sem ar-condicionado, ele fica suspenso pela direção. Nós motoristas temos que levar de casa água congelada, pelo menos quatro litros, para suportar o calor, porque a empresa não dá nenhum suporte para nós. Os passageiros ficam reclamando de calor comigo e eu peço apenas para eles ligarem para a empresa. Não tem o que fazer", conta Valtair.
O motorista não tem um ônibus único todos os dias, e diz que já faz parte da rotina pegar um em que o ar esteja com problema. Em alguns, as janelas abrem, enquanto em outros não — já que vêm com trava.
Na última quinta-feira (16), uma criança passou mal em um ônibus da viação Pavunense, que estava com o ar condicionado quebrado, e sua mãe foi flagrada em vídeo quebrando o vidro do coletivo para possibilitar a entrada de ar.
"O passageiro começa a mexer e consegue abrir, mas nós não interrompemos a viagem por isso. Se o pessoal quebra a janela, tá no direito deles, porque o carro está sem ar. Eu não posso questionar o passageiro nunca", afirma.
Papelão contra o Sol
Rodoviário há 20 anos, outro motorista da Viação Pavunense — que pediu para não ser identificado — conta que tem trabalhado sem ar condicionado nas últimas semanas. Ele trabalha das 14h até o início da madrugada e, para amenizar o calor excessivo, leva garrafas de água congelada, coloca papelão e cortina na janela para se proteger do sol.
"Eu fico chateado, porque meus colegas trabalham com ar e eu não. É desconfortável demais, e eu pego o horário do sol mais quente, duas da tarde. Essa onda de calor tem sido terrível. Os passageiros ficam reclamando, mas não tem outro jeito, ou eu vou assim, ou não trabalho. Eu reclamo para a empresa, mas eles dizem que estão renovando a frota e pedem paciência", disse ele, à reportagem.
O que dizem a SMTR e a empresa
Pelo menos 20% da frota de ônibus no município do Rio não possui ar-condicionado. Em nota, a SMTR (Secretaria Municipal de Transportes) disse ao UOL que assumiu o processo de implantação de sensores de ar nos ônibus e os aparelhos serão instalados a partir deste mês.
"A SMTR informa que, neste ano, foram aplicadas mais de 7,5 mil multas aos consórcios por problemas de conservação e falta de ar-condicionado nos ônibus. As penalidades foram realizadas por meio de ações de fiscalização nas ruas e garagens, que fazem parte da rotina diária das equipes da SMTR. Em janeiro deste ano, a Prefeitura publicou um decreto determinando o corte de subsídio de ônibus flagrados com ar-condicionado desligado, além de reduzir o valor pago a veículos licenciados sem climatização", diz a nota.
A Viação Pavunense foi procurada pela reportagem, mas não houve resposta.