Chef síria luta há 1 ano para enterrar marido no Brasil: 'Me sinto perdida'
Há um ano a chef síria Razan Suliman, 33, espera no Brasil pelo corpo do marido, Mohamed Dahhan, 44, para enterrá-lo dignamente. Mohamed morreu ao atravessar a fronteira entre México e Estados Unidos em uma decisão desesperada de visitar a mãe, que estava doente nos EUA. O casal morava no Brasil desde 2014, em situação de refúgio.
Desde então estou sofrendo. Tudo está muito difícil, não consigo dar conta de tudo, estou perdida. Tenho três crianças [de 2, 4 e 8 anos] para cuidar em uma cultura diferente da minha. Meu filho mais velho acha que o pai está escondido nos EUA e que não quer saber da gente. Ele fala para deixarmos os irmãos com a avó e irmos, eu e ele, procurar o Mohamed, puxar a orelha dele e trazê-lo para cá. E eu tenho de ficar repetindo que isso não vai acontecer, que o pai dele está morto.
Razan Suliman
O que aconteceu
A última notícia que Suliman teve do marido foi em 4 de agosto de 2022. Ela acompanhava o trajeto dele até os Estados Unidos por meio do GPS do celular. "Fiquei indo à Polícia Federal perguntando, divulguei nas redes sociais, mandei para os irmãos que moravam nos Estados Unidos e ninguém conseguia contato com ele. No começo, acreditávamos que poderia estar preso."
Uma ONG no México descobriu que ele havia sido enterrado com outras pessoas, segundo a esposa. O corpo dele estava no cemitério do Condado de Maverick, em Eagle Pass, no Texas. Apesar de ter sido enterrado sem identificação, Suliman e o advogado da família dizem que ele estava como os passaportes sírio e brasileiro, que foram apresentados após a exumação.
Quando soubemos onde ele estava, mandamos tirá-lo de lá e colocar os restos mortais na geladeira. Não fizeram uma certidão de óbito apropriada. Enterraram ele de forma errada, não pode ser em qualquer cemitério. Preciso trazê-lo de volta por respeito a ele e aos meus filhos, que precisam saber onde está o pai. Eles precisam entender que, mesmo que Deus tenha levado o pai deles, eles têm um pai.
Razan Suliman
A morte de Mohamed foi confirmada após teste de DNA, cujo resultado saiu em meados de dezembro do ano passado. Já o atestado de óbito foi emitido há alguns dias, segundo Evandro Carlos Alves, advogado da família e vice-presidente da ONG Identidade Humana Global. Isso explicaria a demora para autorização do traslado do corpo —o aval só foi dado agora.
Recebi um esboço do que seria o atestado de óbito e diz que a morte se deu por asfixia por afogamento. Mas pelas fotos que mandaram do corpo, há uma possibilidade de ser homicídio porque há sangramentos.
Evandro Carlos Alves, advogado
Esposa abriu uma vaquinha virtual para pedir ajuda com os custos do traslado do corpo. Ela ainda diz que deseja fazer um novo teste de DNA quando ele chegar ao Brasil para ter certeza que os restos mortais são do marido.
Quem era Mohamed Dahhan
Mohamed Dahhan veio ao Brasil em 2014. Na Síria, trabalhava com engenharia automotiva. Quando a guerra eclodiu, Dahhan fugiu com a mulher para o Líbano. No entanto, foi no Brasil que tiveram a oportunidade de recomeçar e onde nasceram seus três filhos.
No Brasil, Dahhan trabalhou com funilaria, depois no comércio da rua 25 de Março até finalmente conseguir empreender ao lado da mulher, em um restaurante de comida árabe no bairro do Ipiranga, que ganhou popularidade.
Quando a mãe adoeceu, Dahhan tentou pegar o visto americano para visitá-la. Segundo Suliman, ele tinha medo de que a mãe morresse e ele não pudesse vê-la antes. Sem conseguir a aprovação, Dahhan decidiu desembolsar cerca de US$ 2.500 para cruzar a fronteira por terra.
Respostas
Por meio de nota, o Itamaraty informou que tomou conhecimento do caso em setembro de 2022, quando foi procurado pelos familiares do cidadão sírio-brasileiro.
O consulado prestou assistência consular aos familiares da vítima e buscou, em contato com as autoridades locais, facilitar os trâmites obrigatórios no caso de falecimento de estrangeiros nos EUA.
Também informou que, em caso de morte de cidadão brasileiro no exterior, os consulados brasileiros podem prestar orientações gerais aos familiares, apoiar contatos com o governo local e cuidar da expedição de documentos, como o atestado consular de óbito, "tão logo terminem os trâmites obrigatórios realizados pelas autoridades locais".
Já o traslado dos restos mortais de brasileiros mortos no exterior é decisão da família. "O traslado de corpos de nacionais que tenham morrido no exterior não pode ser custeado com recursos públicos" disse.