Promotor que apura mortes no litoral vê 'escolha' por policiamento letal

O promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Danilo Pugliesi, afirmou que "há uma escolha por esse tipo de policiamento" que vem sendo feito na Baixada Santista. A operação é considerada a mais letal desde o massacre do Carandiru, em 1992.

O que aconteceu

O MP montou uma nova força-tarefa para apurar as mortes decorrentes de ações policiais na Baixada Santista no mês de fevereiro. A operação da PM no litoral paulista já matou mais de 30 pessoas.

É preciso haver um debate sobre formas de combate ao crime organizado que não resultem em mortes, afirma o promotor. "Por isso, da outra vez [entre julho e setembro do ano passado] houve a instalação de um inquérito civil para apurar a efetividade do policiamento", afirma. "Há uma nova circunstância do policiamento em São Paulo? Toda operação vai ter esse número de letalidade?"

Nova força-tarefa foi criada para dar continuidade às investigações da primeira fase da Operação Escudo. Promotores terão dedicação exclusiva à força-tarefa. Pugliese afirma que a prioridade nos trabalhos ajuda na coleta de provas. "Se não se colhe a prova nesse momento, dificilmente será colhida depois", afirma ele, que integra o Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública) do MP.

Falta de registro e medo impactam nas investigações. "Algumas investigações demoram por conta da ausência de câmeras e da dificuldade de se obter testemunhas, outras acabam sendo mais rápidas. Essa é a experiência que a gente teve com a outra operação e estamos tentando repetir."

Apuração sobre mortes será individualizada, diz promotor. "Toda informação inicial está sendo catalogada. Cada morte terá uma apuração específica", afirma. As investigações têm como objetivo levantar dados como preservação do local em que houve a morte, onde foi realizada a perícia, a identificação dos corpos e casos em que há testemunhas.

Instauração de procedimentos investigatórios criminais. "Estamos identificando as mortes para entender o que é decorrente dessa fase da Operação Verão e as mortes decorrentes de atividades policiais que não têm a ver com isso", diz ele. "Depois, vamos separar os casos e, para cada um que for decorrente dessa operação, vamos instaurar uma operação autônoma."

É uma preocupação nossa que tudo seja devidamente identificado. A perícia precisa ter a maior segurança possível e a maior colheita de evidências possível. Entendemos que qualquer número alto de letalidade numa operação enseja uma investigação, mas só caso a caso a gente vai saber se houve a prática de um crime ou se a ação é legítima.
Danilo Pugliese, promotor de Justiça do MP-SP

Força-tarefa na primeira fase

Na primeira etapa da Operação Escudo, a equipe do MP apurou as 28 mortes ocorridas entre 28 de julho e 5 de setembro. Segundo o promotor, os trabalhos ainda estão em andamento. Até o momento, dois policiais militares se tornaram réus pelo envolvimento em uma morte.

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O Ministério Público denunciou os policiais Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira pelo crime de homicídio duplamente qualificado. A acusação apontou que os PMs alteraram a cena do crime, incluindo de maneira forjada um colete balístico e uma pistola atribuída à vítima, além de terem obstruído propositalmente as câmeras corporais.

Saúde mental de moradores da Baixada Santista

Moradores da Baixada Santista pensam em deixar as casas após as mortes decorrentes de ações policiais. "As pessoas estão muito abaladas. Existem pessoas que relatam que pretendem deixar o local porque nunca haviam presenciado uma ação tão truculenta e violenta da polícia", diz Cláudio Silva, ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo.

Ouvidoria quer que Estado de São Paulo garanta políticas de saúde mental a quem vive na região. "Haverá questionamento da nossa parte sobre quais assistências à saúde mental será dada a essa comunidades que estão sendo afetadas por essa guerra", afirma.

Complexidade do crime organizado na Baixada exige planejamento, diz ouvidor. "A Baixada Santista sempre foi um local problemático em relação à violência policial, à vitimização policial e à atuação do crime. Com esse histórico, as forças de segurança já deveriam ter desenvolvido um plano. Não consideramos essa atual ação da polícia planejada, para um resultado tão catastrófico não é possível que tenha tido algum planejamento."

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Tecnologia da polícia de São Paulo poderia ter impedido ações violentas, aponta ouvidor. "São Paulo detém um dos maiores aparatos de inteligência das polícias do país e poderíamos ter lançado mão desse aparato para evitar que essa catástrofe estivesse acontecendo."

Estamos preocupados em fazer justiça e respeitar a memória de quem se foi, mas estamos preocupados em garantir que quem está lá consiga viver.
Cláudio Silva, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo

O que diz a Polícia Militar

Equipes estão usando câmeras corporais, afirmou Pedro Luís de Souza Lopes, coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. "Durante esta fase todos os recursos empenhados [unidades deslocadas para a Baixada Santista] até o final do Carnaval nessa operação no litoral contaram com o uso de câmera corporal", disse.

Mas se existe alguma eventualidade — como falhas ou quebra do equipamento — pode haver um revezamento, explica. "Por que não tem 100% dos recursos policiais empenhados com câmera no litoral? Por questões técnicas fundamentais", respondeu ele. De acordo com ele, o uso de câmeras corporais em policiais requer "capacitação e autonomia de gestão das unidades".

Em relação à letalidade das ações, o coronel aponta diferenças entre fases das operações no litoral. "Há imagens fartas que registram posições estratégicas de traficante portando fuzis. Estamos tendo que tabular barricadas feitas por criminosos em comunidades." Segundo ele, na fase atual, a polícia tem atuado em parceria com o MP local e o Judiciário.

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Se a câmera corporal é tão eficiente para reduzir letalidade por que não tem reduzido? Esta é a pergunta que estou fazendo hoje para os meus números.
Pedro Luís de Souza Lopes, coronel da PM, que representou Derrite em evento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O que deve ser melhorado no acesso às imagens

O promotor de justiça do Gaesp afirma que a gestão dos dados obtidos com câmeras precisa melhorar. "Hoje temos um excesso de dados e não falta deles. Mas ainda falta uma regulação, falta uma legislação."

Outros órgãos devem ter acesso ao conteúdo produzido pelas câmeras, diz o promotor. "É importante mais atores fazendo a visualização desses dados, com a devida regulação. Hoje, esse acesso é obtido através de solicitação."

Conteúdo das imagens devem chegar mais rapidamente aos órgãos responsáveis. "É preciso otimizar a vinda dessa prova para o sistema judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, advocacia, há necessidade da vinda disso de maneira rápida, e que a prova chegue de maneira íntegra."

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