Não estamos preparados para frio, diz agricultora que saiu de casa inundada
A previsão de chegada de uma frente fria ao Rio Grande do Sul a partir desta quarta-feira (8) preocupa moradores afetados pela chuva dos últimos dias. Até a noite de terça (7), o estado contabilizava cerca de 160 mil pessoas desalojadas.
O que aconteceu
"Não estamos preparados para o frio", afirma a agricultora Marcia Riva, 43. Ela vive no assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul, que foi tomado pela água — por isso, desde sexta (4), está abrigada na casa de amigos em Porto Alegre. Marcia diz que faltam agasalhos e outros recursos para que os desabrigados possam encarar a queda da temperatura.
"Estamos arrecadando o que as pessoas estão trazendo, de roupa e outro itens", comenta a agricultora Roseli Porto, que vive no mesmo assentamento. Por conta do alagamento, ela está em Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre. "Não sabemos como vai ser com essa previsão de chuva. É tudo incerto."
"A grande preocupação agora é como recomeçar, porque não existe nada de incentivo e ainda temos que levar em conta que agora nos próximos dias vai chover de novo e está prevista uma onda de frio", lamenta o agricultor Abelardo Cibulski. Ele e o irmão, Darci, saíram do assentamento e também foram para Guaíba.
A sala de situação do governo do RS, que faz as análises meteorológicas, indicou a chegada de uma frente fria hoje. A gestão estadual alertou para o risco de descargas elétricas, queda de granizo e ventos fortes, com rajadas que podem chegar a até 100 km/h. À noite, a temperatura deve cair — as mínimas devem ficar entre 5ºC e 11ºC no centro-sul do estado na quinta (9).
Em Porto Alegre, a previsão para quinta é de mínima 16ºC e máxima 20°C, com 47% de chance de chuva. Já em Eldorado do Sul, o dia será com mínima de 16ºC e máxima de 21ºC, além da com probabilidade de 44% de chover.
Quase 50 mil pessoas estão em abrigos no estado — muitas sem os itens necessários para se proteger do frio. A Defesa Civil estadual estima que mais de 1 milhão foram afetadas pelas chuvas. O número de mortes continua subindo — passou de 90 ontem.
O governo estadual afirma que está recebendo e distribuindo doações de roupas e outros itens. "Cobertores, colchões e toalhas de banho ainda são necessários, bem como materiais de higiene e limpeza", informou. A Equatorial, concessionária de energia, também diz que está distribuindo cobertores e colchões.
Embora 90% dos desabrigados de Eldorado estejam em abrigos e a solidariedade geral nos acalente, não estamos preparados para o frio. Faltam agasalhos e estrutura para encará-lo. Estamos sem água aqui em Porto Alegre. Como foram muitos dias de chuva, o solo está encharcado e a água não escoa.
Marcia Riva, agricultora
Estamos vivendo de doações mesmo. É muita incerteza. Já perdemos praticamente tudo, está tudo debaixo da água. Na minha família, nossa única felicidade é que nos mantivemos juntos.
Roseli Porto, agricultora
O que a gente passou, não desejo para ninguém. Estamos aí na luta, mas não sobrou praticamente nada. Está muito difícil.
Darci Cibulski, agricultor
Mais chuva
Além da queda de temperatura, agricultores e autoridades estão em alerta por causa do solo encharcado com possibilidade de novas. Combinados, os dois fatores colaboram para a ocorrência de novos alagamentos. "No meu assentamento, mais da metade do arroz ainda estava na lavoura, que está submersa e sei que nossos estoques estão alagados também", afirma Marcia.
Institutos de meteorologia preveem que as chuvas devem ter intensidade crescente até domingo (12). Em dez dias, o estado registrou o equivalente a três meses de chuva.
Nível de água chegou a dois metros
Chuva fez água subir duas vezes mais do que o verificado no ano passado no assentamento, em Eldorado do Sul. Enquanto as casas mais impactadas em setembro e novembro do ano passado registraram inundações de um metro de altura, o nível chegou a dois metros dessa vez. "Esperávamos algo infinitamente mais tranquilo", diz Marcia.
"Estimo que a gente vá levar, pelo menos, 120 dias para se reorganizar", afirma a agricultora. Segundo ela, o palpite leva em conta os tempos de produção no campo, que são longos.
Irmão e cunhado de Marcia ficaram quatro dias em telhado à espera de socorro. "Os helicópteros que passavam viam os dois, mas estavam lotados e não conseguiam ajudar", conta. Em outro caso, um vizinho ficou preso por horas em um carro com outras cinco pessoas — entre elas, duas crianças.
"Acabou o nosso município", disse o prefeito de Eldorado do Sul em entrevista à Rádio Gaúcha no fim de semana. Ontem, Ernani de Freitas (PDT), avisou que a cidade de 40 mil habitantes estava tomada pela água. Ao UOL, ele disse que há uma força-tarefa para resgate e evacuação dos desabrigados. O transporte é feito por helicópteros, ônibus e até caminhões.
Todo mundo está sendo forte. Mas, ao mesmo tempo, completamente destroçado pelas grandes perdas.
Abelardo Cibulski, agricultor