Balneário Camboriú pode ter prédio de 500 m, e sombra é só um dos problemas

O anúncio da construção do "maior edifício residencial do mundo", com 500 metros de altura, na orla já cheia de arranha-céus em Balneário Camboriú (SC), preocupa especialistas. O problema, segundo eles, vai além da sombra que os prédios altos projetam na praia.

Nos últimos anos, a cidade vive um processo de verticalização intenso, com consequências como a formação de "cânions urbanos", de acordo com especialistas.

A prefeitura disse, em nota, que o empreendimento em questão está em análise —e, sobre os riscos da verticalização, afirmou discordar da análise de especialistas e disse que "a altura dos prédios não é determinante para os problemas apontados".

Entenda ponto a ponto:

Praia na sombra

Praia central de Balneário Camboriú (SC): orla tem vários arranha-céus
Praia central de Balneário Camboriú (SC): orla tem vários arranha-céus Imagem: Divulgação PMBC

A sombra que o novo prédio de 500 metros pode projetar na areia impediria o acesso de banhistas ao sol em determinado período do dia, "muitas vezes desestimulando a permanência [de pessoas] em trechos expressivamente impactados pela sombra", diz Rooseman de Oliveira Silva, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Tiradentes.

O tamanho da sombra será diretamente proporcional à altura do edifício e ao aumento da inclinação do sol. "Considerando que as construções são muito próximas da praia, a partir das 15 horas, a depender do lugar, os edifícios podem sombrear toda a praia, alcançando a lâmina d'água", diz Rooseman.

Esta situação não deixa de ser um registro de morte da praia, ou a perda inevitável da vida de mais um bem público de uso coletivo. Rooseman de Oliveira Silva

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Menos sol, mais bactérias

A presença do sol não é importante só para o uso recreativo da praia: é essencial para manter a vegetação costeira. Com o sombreamento, as plantas responsáveis por fixar a areia não conseguem se desenvolver, explica Rosemeri Carvalho Marenzi, do programa de pós-graduação em ciências e tecnologia ambiental da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

A falta de exposição ao sol dificulta a desinfecção natural da areia, aumentando os riscos de contaminação por bactérias. Análises já demonstraram redução de Escherichia coli em áreas ensolaradas, em comparação com áreas sombreadas da praia, diz Rosemeri. O alargamento da faixa de areia, como já foi feito em Balneário Camboriú, não consegue resolver a demanda por exposição solar.

Balneário Camboriú (SC): verticalização na orla é vista como um problema por especialistas
Balneário Camboriú (SC): verticalização na orla é vista como um problema por especialistas Imagem: Divulgação/Prefeitura de Balneário Camboriú

Aquecimento global e impacto no clima local

A possível construção do novo empreendimento é incompatível com os desafios impostos pelas mudanças climáticas, diz Paulo Horta, ecólogo marinho e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Isso porque o aumento do nível do mar, decorrente do aquecimento global, pode alterar a linha costeira nas próximas décadas.

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Os arranha-céus também podem alterar condições climáticas locais, como a velocidade dos ventos —o que causaria impacto ao conforto dos moradores, diz Marcos Polette, professor da Univali.

Outra consequência possível é a formação dos chamados "cânions urbanos". A verticalização pode criar áreas onde a circulação de ar é restrita e a poluição sonora e atmosférica se concentra, diz Polette.

A proposta de construir 'o maior edifício do mundo' não apenas ignora os graves riscos ambientais, mas também poderia deixar um legado de caos para as futuras gerações, pedindo uma revisão urgente dos planos de construção.
Paulo Horta, professor da UFSC

Água, esgoto e solo em risco

A construção de arranha-céus em uma orla tão pequena, com menos de seis quilômetros, também pode causar problemas de fornecimento de água e coleta de esgoto, explica o professor Paulo Ricardo Schwingel, especialista em ciência e tecnologia ambiental e presidente do Comitê da Bacia Geográfica do Rio Camboriú. A construção em áreas costeiras ainda aumenta a impermeabilização do solo, elevando o risco de alagamentos.

Balneário Camboriú (SC) é a cidade com metro quadrado mais caro do Brasil
Balneário Camboriú (SC) é a cidade com metro quadrado mais caro do Brasil Imagem: Anderson Coelho/Getty Images via iStock
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O empreendimento

A construtora FG Empreendimentos planeja construir o Triumph Tower em Balneário Camboriú —a torre de 500 metros de altura pode se tornar o edifício residencial mais alto do mundo.

O plano é construir o arranha-céu na orla da cidade, na Avenida Atlântica, ocupando um terreno de 5.916 metros quadrados, com 140 pavimentos e uma área construída de 134.036,21 metros quadrados.

O Triumph Tower terá 233 apartamentos residenciais e 842 vagas de garagem privativas, conforme estudo de impacto da vizinhança realizado pela consultoria Koeddermann e protocolado na prefeitura local.

Procurada sobre os questionamentos dos especialistas, a FG Empreendimentos informou, em nota, que todos os dados sobre o edifício serão divulgados a partir do lançamento, previsto para o segundo semestre de 2024. "No momento, o empreendimento está em fase final de aprovações."

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O que diz a prefeitura

A Prefeitura de Balneário Camboriú afirmou, em nota, que o projeto do empreendimento está tramitando na Secretaria de Planejamento Urbano de Balneário Camboriú, "em fase adiantada de análise". "Em breve, deverá sair um posicionamento pela aprovação ou não aprovação."

Com relação à série de problemas elencados por especialistas, a Prefeitura de Balneário Camboriú disse discordar. Segundo a gestão municipal, "a altura dos prédios não é determinante para os problemas apontados".

A taxa de ocupação do solo é que tem de ser considerada. De modo geral, os prédios novos da orla de Balneário Camboriú têm taxa de ocupação do solo baixa (são estreitos e não largos). Com taxa de ocupação do solo menor, não há problemas como o de ausência de desinfecção do solo, sombra na praia (principalmente na região da Barra Sul), redes de fornecimento de água/esgoto insuficientes (quantidade de apartamento por andar é baixa em prédios com taxa de ocupação do solo menor).
Prefeitura de Balneário Camboriú

Sobre a vegetação da Praia Central, a prefeitura diz que será plantada restinga na areia, dentro do projeto de reurbanização da orla.

A ocupação por prédios é massiva na área de 6 km de orla da Praia Central. E não há limite de altura no trecho compreendido entre a Avenida Atlântica e Terceira Avenida e Avenida do Estado. No entanto, na Região Sul de Balneário Camboriú, a das Praias Agrestes, a ocupação por construções é baixa e o meio ambiente encontra-se preservado. O município tem 34% de moradias com preservação ambiental e 47% do território com manchas verdes. Nessa e em outras regiões da cidade, há limites de altura para as edificações. Prefeitura de Balneário Camboriú

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