Chuvas no RS: enchentes dos últimos 11 meses mataram mais que em 20 anos

O número de mortos por desastres naturais no Rio Grande do Sul nos últimos 11 meses é mais de dez vezes o de óbitos contabilizados no estado em 19 anos. Enquanto 14 pessoas morreram entre 2003 e 2021 por causa de eventos climáticos extremos, ao menos 175 pessoas morreram nos quatro desastres ocorridos no estado entre junho de 2023 e maio deste ano.

O que aconteceu

Catorze mortos no começo do século. O levantamento "Desastres Naturais no RS: estudo sobre as ocorrências no período 2003 - 2021", lançado pelo governo no final de 2022, registrou 14 óbitos por: chuva intensa (2), enxurrada (4), inundação (1), tornado (2) e vendaval (5).

Os meses com mais ocorrências foram de junho a agosto e de janeiro a fevereiro. Contando estiagem, granizo e alagamentos, os eventos climáticos extremos no período deixaram 374 feridos, 7.065 desabrigados, 65.913 desalojados, um desaparecido e outras 4,3 milhões de pessoas afetadas.

Só nos últimos 11 meses, houve 175 mortos em quatro desastres. Foram três eventos no ano passado: em junho, setembro e novembro, deixando 75 mortos. Neste ano, desde 29 de abril, o mais recente desastre ambiental já havia matado 100 pessoas até 8 de maio.

Como foram os últimos desastres?

Junho de 2023

Montenegro, no RS, após passagem de ciclone extratropical em junho de 2023
Montenegro, no RS, após passagem de ciclone extratropical em junho de 2023 Imagem: Filipe Serena/Divulgação

Dezesseis pessoas morreram no primeiro dos quatro desastres recentes. Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), as chuvas caíram torrencialmente após um ciclone extratropical que atingiu o estado entre 15 e 16 de junho.

O ciclone extratropical se forma em áreas de média e alta latitudes. Quando massas de ar frio e massas de ar quente se deslocam em sentidos opostos e se chocam, chuvas torrenciais e concentradas desabam sobre determinada região.

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Imagem: Arte UOL

Cerca de 2 milhões de pessoas foram afetadas em 40 cidades, com 3.200 desabrigados e 4.300 desalojados. Com as chuvas torrenciais, regiões com rios e lagos inundaram, afetando principalmente a região metropolitana de Porto Alegre, o litoral norte e parte da Serra Gaúcha. As cidades mais atingidas foram Caraá, Maquiné, São Leopoldo, Esteio, Gravataí, Novo Hamburgo, Bom Princípio e São Sebastião do Caí.

Setembro de 2023

Ponte de Muçum destruída pela enchente em setembro de 2023
Ponte de Muçum destruída pela enchente em setembro de 2023 Imagem: Carlos Macedo/UOL

Um outro ciclone extratropical no estado foi ainda mais grave: deixou 54 mortos e quatro desaparecidos. O fenômeno, iniciado em 4 de setembro, teve chuvas fortes e concentradas, com direito a rajadas de vento e rápida elevação do nível dos rios. Cerca de 340 mil pessoas foram afetadas e 8.000 casas acabaram danificadas ou destruídas.

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Noventa e uma cidades ficaram em estado de calamidade no estado. Muitas pessoas foram arrastadas pela correnteza, principalmente no Vale do Taquari, onde o rio Taquari subiu cerca de 13 metros em alguns pontos, alagando cidades como Muçum e Roca Sales. Até o evento deste ano, a tragédia era considerada a mais letal da história gaúcha, deixando mortos também em cidades como Ibiraiaras, Lajeado, Estrela, Mato Castelhano, Passo Fundo e Cruzeiro do Sul.

Novembro de 2023

Chuvas mais brandas mataram cinco pessoas em novembro do ano passado. Vale do Taquari, Serra Gaúcha e região metropolitana de Porto Alegre foram muito afetadas, com 28 mil pessoas precisando deixar suas casas desde o início das chuvas, em 17 de novembro.

Enchente em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, em novembro de 2023
Enchente em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, em novembro de 2023 Imagem: REUTERS/Diego Vara

Em Lajeado, o rio subiu 25 metros. Foram 158 cidades atingidas e 100 mil pessoas ficaram sem luz. As mortes foram registradas em Eldorado do Sul (a 50 km de Porto Alegre), Gramado, Vila Flores —ambas na Serra Gaúcha— e Giruá, no norte do estado.

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O evento climático estava associado à passagem de frentes frias. A informação é do Núcleo de Informação Meteorológicas da Univates (Universidade do Vale do Taquari).

Maio de 2024

CT do Internacional fica alagado após enchente em Porto Alegre (RS)
CT do Internacional fica alagado após enchente em Porto Alegre (RS) Imagem: MIGUEL NORONHA/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO

Evento causado por chuva persistente já matou 100 este ano. É oficialmente o desastre natural mais letal do Rio Grande do Sul: 425 cidades foram afetadas, mudando a vida de quase 1,5 milhão de pessoas, ferindo 374, deixando 130 desaparecidos e mortes em investigação, segundo dados do governo até a tarde de quarta-feira (8).

Infelizmente, este será o maior desastre que nosso estado já enfrentou. Será maior do que ao que assistimos no ano passado.
Eduardo Leite, governador do RS

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Na região metropolitana de Porto Alegre, a água deixou pessoas ilhadas e fechou hospitais em Canoas.

Nível do Guaíba era de 5,27 metros na segunda. No sábado (4), ele já havia superado a marca atingida no ano de 1941 (de 4,76 metros de altura), quando inundou grande parte do centro da capital gaúcha. Nesta quarta, o nível do Guaíba havia baixado para 5,08 metros, ainda dois metros acima da cota de inundação. E a previsão é de mais chuvas na semana

Antes e depois do Guaíba
Antes e depois do Guaíba Imagem: European Union, Copernicus Sentinel-2 imagery

Falta cuidado com o meio ambiente

O aumento dos desastres se deve ao enfraquecimento de políticas ambientais. O climatologista e professor na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Francisco Eliseu Aquino entende que os governos —municipais, estadual e federal— fragilizaram na última década a preservação do meio ambiente ao diminuir áreas de preservação. Isso favorece a ocupação de regiões ribeirinhas.

É preciso planejamento urbano e territorial, diz o professor. "O atual cenário de mudança do clima já é sabido por nós, cientistas. Em 2040 e 2050, seguirá mais intenso do que nós vemos hoje", diz Aquino.

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Alternativa é realocar moradores de bairros mais atingidos para outras áreas dos municípios. "É o indicado. Sair das áreas de inundação é uma necessidade não só no Brasil, como no mundo", afirma.

Em alguns casos, seria preciso deslocar a cidade inteira. Mas a opção é inviável financeiramente, argumenta Jaime Federici Gomes, professor de engenharia civil na Escola Politécnica da PUCRS.

População deve ser avisada e abrigada em locais seguros, afirma Gomes. "Isso deve ser feito em conjunto com a Defesa Civil, para procurar áreas seguras para realocação da população no momento em que o problema começa a ocorrer", diz.

Sistema de alertas é bom, mas pode melhorar. Aquino diz que hoje cerca de 60% dos países não possuem sistemas de alerta. "É uma prioridade internacional". Já Gomes entende que os sistemas de alerta precisam ser bem pensados para evitar a ocorrência de alarmes falsos. "Às vezes, as pessoas saem e não acontece nada. Aí quando têm que sair, acabam não saindo", diz.

Governo do RS defende mudanças em leis ambientais

Questionado sobre as ações para evitar novos desastres, o governo do estado defendeu mudanças recentes na legislação. Em nota, afirmou que o novo Código Ambiental do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, sancionado em 2020, "teve como base amplas discussões que envolveram sociedade e instituições e alinharam o estado às leis federais".

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Para o governo Eduardo Leite (PSDB), a mudança "acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável".

As catástrofes climáticas são uma tendência mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas em todo o planeta. Sendo assim, não podem ser atribuídas à atualização da lei. O governo do estado reforça a necessidade de adaptação para garantir a sobrevivência na Terra
Governo do Rio Grande do Sul

Governo cita criação de Gabinete de Crise Climática. O "ProClima2050, que reúne ações e políticas públicas pensando na mitigação das emissões, na adaptação e na resiliência climáticas". O gabinete "tem como principal função conectar as secretarias de Estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima".

Outras iniciativas, segundo a gestão Leite, são a "contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil, que será instalado na Região Metropolitana de Porto Alegre e está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação, responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal".

*Colaborou Hygino Vasconcellos

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